Assim que eu cheguei em Mumbai o Namorido perguntou se eu gostaria de jantar. Depois de toda a comida que eles servem na primeira classe, só em pensar em comida, eu queria vomitar!!! Ele me explicou que era o último dia desse colega de trabalho na Índia e que ele queria levar a ente pra jantar. Fazer o que? Fui né!
O colega de trabalho era mais velho cinqüenta e poucos, um cara agradável, mas que já não tinha muita paciência pra aventuras, ele estava a duas semanas em Mumbai e estava mais do que pronto pra ir embora. Mais tarde, eu entenderia esse sentimento!
Depois de jantar a gente resolveu sair, ir a um bar. 14 horas de vôo... eu não conseguia dormir por que estava com o fuso horário todo trocado. Pegamos um carro no hotel com nosso muito simpático motorista Anapá! Anapá foi um ótimo guia, muito explicativo durante o caminho. Era difícil para mim sair pela primeira vez a noite, eu não conseguia ver muito, mas uma coisa me chamou atenção! O flamboiãs, eram muitos, na verdade, as árvores eram muitas, mas aquela hora da noite, eu só identificava os flamboiãs. Eu disse a Anapá que em minha cidade natal, Teresina haviam muitas árvores como aquelas. Foi quando o Namorido e nosso fiel escudeiro Anapá me introduziram a história de Mumbai, antes conhecida como Bombai.
Bombai inicialmente havia sido colônia portuguesa. Foi quando uma princesa portuguesa se casou com um príncipe inglês, que Bombai passou a domínio da coroa inglesa. Bombai foi o dote de casamento da princesa portuguesa. Durante o tempo que pertenceu a coroa inglesa a cidade foi conhecida como Bombai, com a recente independência da Índia, a cidade foi rebatizada como Mumbai.
Chegamos no bar. As rua onde o bar ficava não era pavimentada, me lembrava as cidadezinhas do litoral do Piauí. Por dentro, o bar era parecido com qualquer outro bar, as peculiaridades eram: o numero de homens era absurdamente maior do que o de mulheres, os homens eram animadíssimos, dançarinos entusiastas e extremamente afetuosos entre si. Lembro que eu e o Namorido trocamos olhares de surpresa ao ver tantos homens abraçado de mão dada... por lá isso é normal, para mim, muito engraçado.
Na manhã do dia seguinte, acordei as 5 am, ainda desorientada pelo fuso horário, enrolei o que eu pude , mas as 7 am eu tive que acordar o Namorido. Ele queria me matar! Era sábado e ele tinha acordado cedo a semana toda, mas mesmo contrariado, ele se levantou e foi comigo ao salão do café da manhã. Foi aí que tudo começou a desandar!!!! A orgia gastronômica!!!! O café era uma mistura da exótica comida indiana com delícias tradicionais inglesas que eu regava abundantemente a muito chá de jasmim e suco de melancia.
O Namorido perguntou onde eu queria ir. Eu tinha 3 coisas na minha lista de coisas pra fazer em Mumbai: Assistir um espetáculo de dança tradicional indiana, ir ao Crawlford Market e fazer aulas de culinária indiana. Fomos em busca do Crawlford Market. Para quem conhece mercado central de Belo Horizonte o Crawlford market não parecia assim tão diferente a primeira vista, mas uma vez imersa no lugar, rodeada de curiosos querendo chegar perto de você, o mercado se revela uma experiência única e, a princípio (eu tenho que admitir) assustadora. Demorou um tempo até eu entender todas as pessoas nos seguindo e querendo falar comigo e me cumprimentar. Andávamos e as pessoas me cumprimentavam, perguntavam de onde éramos. Eu e o “Com sorte” resolvemos nos apresentar sempre como brasileiros, ele sempre tem receio de ser maltratado por ser americano quando viaja pelo mundo, muita gente tem raiva de americanos, mas ninguém se ofende com brasileiro. Ele queriam conversar, apertar minha mão e me ver de perto. O mais engraçado foi quando alguém tirou uma foto minha na rua! Eles me achavam parecida com as atrizes de Bolyhood.
O calor era escaldante, os cheiros da cidade muito fortes, a deliciosa comida do café muito exótica e no meio da tarde eu achei que ia desmaiar. Voltamos para o carro, o Namorido me explicou que eu devia apenas estar cansada e ainda desacostumada com a mudança de fuso, segundo ele, levava quase uma semana pra se adaptar completamente. Entramos no carro e resolvemos deixar o motorista passear por Mumbai. Era impossível não perceber a semelhança entre Mumbai e Teresina, minha cidade natal no Piauí. Pouca gente sabe, mas Teresina é uma cidade muito arborizada, o apelido da cidade é Cidade Verde. Mumbai era muito similar. Eu lembro que eu fechei os olhos no carro quando estava muito cansada e entrei naquele estado de cochilo, onde você está meio dormindo e meio acordada. O Namorido me cutucou bravo, e quando eu abri os olhos, por alguns segundos, eu não sabia onde eu estava, tudo parecia tão familiar, as árvores, principalmente, eram as mesma de Teresina e sob o sol escaldante do verão indiano, era quase impossível pensar que eu não estava em casa. Dois detalhes me tiraram do transe, um templo mulçumano que surgiu em meio a pomposas acácias e amendoeiras, e o cheio. Meu Deus, como aquela cidade cheira mal! Era a frase que mais saia da boca do Namorido durante a viajem, ele olhava para mim e me dizia com seu sotaque de gringo em português “Cheira mal aqui!”
O motorista parou e disse para gente descer do carro. Eu estava muito cansada, mas achei que seria grosseiro da minha parte não seguir o rapaz. Ele apoiou os braços numa muretinha e olhou para baixo. Eu me aproximei para poder ver o que ele observava. Era uma lavanderia gigante!!!! Lembrei das empregadas lavando roupa no rio quando eu era criança na casa de praia do meu avô. Era uma área cheia de tanques, e muitas mulheres e crianças lavando e estendendo infinitos metros de tecido.
Já era tarde, eu estava exausta. Ir de um lugar par o outro em Mumbai era uma tarefa árdua e estressante, e nós demoramos dias até descobrir como as coisas funcionavam por lá quando o assunto em questão era transporte! A maioria das ruas em Mumbai não tem nome, o primeiro mapa oficial da cidade foi feito a pouco tempo. Quando alguém te dá um endereço de um lugar, o endereço é algo mais ou menos assim:
Andari (que seria a região, tipo o Bairro)
Na rua da universidade , do outro lado da rua do Café Coffee, X com o City Bank.
Até os endereços oficiais nos cartões e mas caixas das coisas eram escritos assim. Quando a gente queria ir a um lugar, nós íamos a portaria do hotel pedíamos o endereço, ele escreviam as direções num pedaço de papel, a gente pegava um táxi, carro do hotel, ou um Rickchah, o porteiro do hotel conversava com o motorista para ter certeza que ele sabia onde ele ia e a gente ia. No meio do caminho o motorista parava, saia do carro e ia pedir informação de como chegar no lugar. A gente ficava P... da vida. Eu reclamava: “Se ele não sabe onde é por que disse que sabia?!” Achei que eu falei isso tanto quanto o Namorido disse: “Cheira mal aqui!” Bem, depois de alguns dias eu entendei que essa era a única maneira de se achar no caos de Mumbai. Todos os motorista, até mesmo os melhores, parava umas 10 vezes para encontrar um lugar. O truque era não ficar ansiosa e não sair com pressa pra chegar em lugar algum!!!!
Muita coisas aconteceram na Índia, mas a que mais me marcou foi uma descoberta que para muitos pode soar estúpida! De onde veio o jamelão. Eu acho que o jamelão está espalhado pelo Brasil todo, mas em alguns lugares, como em Minas Gerais, as pessoas não sabem que jamelão, além do apelido do mais famoso puxador de samba da Mangueira, também é o nome de uma fruta. Lembro do meu primeiro namorado dizendo que eu ia morrer se eu comece aquela fruta estranha daquela árvore desconhecida na beira do lago de Boa Esperança-MG. Eu ri, e disse que não deixasse a fruta sujar a sua roupa por que mancha de jamelão não há quem limpe! Em um dos café da manhã no hotel de Mumbai, eu vi uma frutinha parecida com uma azeitona preta, quando eu vi de perto, era jamelão! Eu estava certa. Eu tinha visto uma árvore muito parecida, mas do carro não pude confirmar! O Namorido não conseguia entender meu entusiasmo com aquela frutinha. Eram anos de história!!! Teriam os portugueses trazido o jamelão da Índia, quando Bombai ainda era de Portugual??? Fiquei obsecada pelo fato do jamelão ter vindo de tão longe! Perguntei no hotel pelo nome da fruta em hindi: jamom.
Enquanto eu enlouquecia na minha pesquisa botânica, tirando milhões de fotos de todas as árvores em Mumbai para mostrar para o meu pai, um apaixonado por arborização, o Namorido estava obcecado com algo mais misteriosos: Bean bag. Por toda Mumbai haviam pichações em muros que diziam Bean Bag, seguido de um numero telefônico. O Namorido não se continha de curiosidade: “ O que seria Bean Bag? Só pode ser um código!” ele pensava. Bean Bag em português que dizer Saco de feijão. Era difícil imaginar alguém vendendo sacos de feijão por meio de pichações em muros, aquilo tinha cara de contravenção, e isso sim interessava o Namorido. Durante dias, ele perguntou sobre o mistério das pichações, ele especulava tráfico de drogas, prostituição, tráfico de armas, ou até mesmo de escravos... várias vezes ele se sentiu tentado a ligar para o número pichados nos muros só pra descobrir o que estava por trás do mistério do saco de feijão, mas ele tinha medo de se meter em encrenca e acabar boiando morto em um rio fedido da Índia. Pouca gente sabia do que ele falava, o que me impressionava, por que as pichações estavam por todos os lugares. Foi quando a resposta finalmente chegou. Nós estávamos jantando com alguns colegas de trabalho do Namorido quando ele pela centésima vez perguntou: “ Alguém sabe o que há por trás dessas pichações que dizem Saco de feijão por toda a cidade? O que é que eles vendem na verdade?” Rohir, respondeu displicentemente: “Feijão”. Eu não agüentei e quase entalei de tanto rir! Lá ia o mistério do Bean Bag que tirara o sono do Namorido por dias. “ O que você pensou que fosse? Ora, mas se diz saco de feijão, por que você acha que eles iam vender outra coisa?” completou o colega de trabalho! Nada na índia era simples, tudo era uma dificuldade só, a comunicação entre as pessoas era péssima, ninguém se entendia, mas se alguém anunciava um Saco de feijão, era feijão o que eles vendia!!!! A única coisa simples na índia, era comprar feijão!
Falando em falta de simplicidade!!!! A quarta coisa que estava na minha lista de coisas para fazer , era ir a um templo. Queria ver de perto aquela filosofia simplista Hare Rama, que tanto instigava o ocidente desde os anos 70! Pensei que uma visita ao templo seria algo relaxante, pensei errado! Quer simplicidade em Mumbai? Vai comprar feijão! Quando eu cheguei na porta do templo, era uma multidão de pessoas na porta, duas filas, uma de mulheres e uma de homens. Todos passaram por revista, raio X e scanner de bolsas. Eu perguntei ao motorista por que tanto. “Ah madame, um louco tentou explodir o templo a uns anos atrás, agora é assim!” Eu senti uma “infinita paz” dentro do meu coração quando ele me disso isso, desde que eu havia chegado a Mumbai, pelo menos duas bombas haviam explodido em diferentes áreas da Índia, mas ninguém parecia dar importância, era notícia comum. O engraçado era que se acontecia um assassinato, todo mudo ficava chocado e os jornais não falavam de outra coisa. Matar uma pessoa com uma facada é um abominação, explodir 30 é coisa do dia a dia, vai entender! Entrei na fila mesmo assim, um bando de gente tentando me vender flor de plástico, me puxando falando comigo em Hindi. Eu estava só o motorista era mulçumano e não quiz me acompanhar, ia estacionar o carro e esperar que eu ligasse. Depois de 15 minutos na fila, a mulher me disse que eu não podia entrar com um câmera fotográfica na bolsa! Lá vou eu passar pelo inferno de sair pelo lugar que eu entrei, todo mundo me puxando tentando me fazer tirar o sapato, foi me dando um nervoso e eu sai dali correndo e liguei pro motorista. Ele veio me buscar depois de 10 minutos, o trânsito é simplesmente uma loucura. Desisti de deixar a câmera no carro, e voltar ao templo, a idéia de passar por todo aquele povo de novo sozinha não era nada relaxante!!!
Toda aquela história de detector de bombas estava me dando nos nervos , no shopping era a mesma coisa, qualquer lugar onde se aglomeravam muitas pessoas, lá estavam os detectores de metal e os policiais. No último dia em Mumbai, eu finalmente consegui ir ao templo, era de dia, o templo estava mais vazio. Era absolutamente lindo!!!!! Todo branco, acho que uns 4 andares, limpíssimo. O lugar mais limpo que eu estie em Mumbai depois do meu hotel! Eu o Namorido e olhamos todos os altares e lemos a fantásticas histórias de Christna, na saída um americano convertido Hare Rama encontrou a gente e começou a conversar. Era uma conversa sem fim sobre religião, política, sociedade, amor... o cara tava em outro mundo! Mas eu lembro dele dizendo que a gente era um casal que parecia bacana, a se ele soubesse que alguns meses depois eu estaria no Panamá esperando meu vôo para Belo Horizonte saído praticamente fugida do Namorido... as aparências enganam até os mais espiritualizados!
PS: Ah! para mais informações sobre a origem do jamelão:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jamelão
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