Quase três anos se passaram desde a última vez que
escrevi por aqui. Não sei se por causa do trabalho, do casamento, de outros
projeto de escrita, ou só mesmo a falta de vontade.
Ontem depois de andar vinte e quatro
quarteirões, pegar três trens, cheguei ao trabalho. Lembrei do meu blog e senti
saudade de escrever. O problema é que embora tenha batido saudade, inspiração que é bom, nada... Ai, pensei -
“Estou enferrujada! Hoje a noite quando chegar em casa, tento escrever algo.”
Divaguei um pouco sobre algumas coisas, mas logo fui absorvida pela rotina do
escritório e deixei esse devaneio de lado.
Algumas horas depois meu celular
vibrou. Era uma mensagem no Facebook. Não reconheci o nome, mas como minha
memória é péssima abri a mensagem mesmo assim.
O redator se desculpava por “invadir” meu espaço e garantia ser uma
pessoa normal. Era um velho amigo de meu irmão mais novo e queria dividir
uma história comigo. Espremi o cérebro,
reli seu nome dez vezes tentando me lembra de um amigo de meu irmão que pudesse
ser esse moço, mas não fui capaz, mesmo assim continuei a ler seu texto.
Depois de estabelecer a própria
sanidade ele se descreveu como um cara comum, casado que ainda vivia na minha
cidade natal Teresina. Estava revendo uns texto antigos e se deparou com uma
coisa que tinha escrito ha muitos anos parcialmente inspirada por mim. O texto
se chamava Lydia.
Prosseguiu me contando que quando
menino gravava filmes em VHS e os assistia nos fim de semana repetidamente. Um
dos seu favoritos era BeetleJuice de
Tim Burton. Nesse filme Winona Ryder atuava como a personagem Lydia.
Aos doze
anos ele inspecionava o mural da escola quando uma menina se aproximou. A garota
era um pouco estranha, extremamente pálida com cabelos negros e curtos. Devia
ser um anos mais velha que ele. Ficou olhando tentando procurar uma forma de se
comunicar com ela, mas o máximo que consegui elaborar foi: “Você parece muito
com uma moça de um filme.” A garota olhou para o menino e sem pestanejar disse:
“E se eu te dissesse que eu sou ela?” Ele ficou embasbacado com o coração
acelerado sem entender exatamente o que estava acontecendo.
Um tempo passou e o garoto fez um
novo amigo. Um dia durante uma visita a casa desse amigo, o garoto avistou “Lydia”,
ela era a irmã mais velha de seu novo companheiro de encrencas. Não sabia se a
garota se lembrava dele, mas não teve coragem de mencionar o encontro prévio.
A amizade dos dois rapazes durou
alguns tempo e o garoto frequentou a casa de “Lydia” varias vezes sem nunca
mencionar o ocorrido. Com o tempo “Lydia” se mudou de cidade, os moços se
distanciaram.
A mensagem do rapaz continuava, mas
minha atenção ficou presa ao primeiros parágrafos. “E se eu te dissesse que eu
sou ela?”- aquela garota pretensiosa de treze anos era Laurinha. Achei
inconcebível que não conseguisse me
lembra do ocorrido, ou ao menos do protagonista da história. Mandei uma
mensagem para meu irmão perguntando se ele tinha um amigo com esse nome. Ele confirmou, me disse o apelido do garoto e comentou que o garoto havia dormido
varias vezes na nossa casa. Eu era adolescente quando tudo isso aconteceu, não uma criança, deveria ser
capaz de lembrar pelo menos da existência dessa pessoa, mas minha memória me
traia e não deixava emergir se quer uma mísera referencia de quem ele fosse.
Fiquei sentada olhando para o meu
computador chateada com a sensação de perda. As vezes se tivesse escrito um diário quando criança poderia
voltar, rever minhas memória, mas agora era tarde, tantas coisas devem ter se
perdido, quantas histórias minha memória poderia ter engolido? Parecia um
sinal, um aviso do universo dizendo que eu não precisava de uma grande inspiração
para escrever, apontando que as vezes as histórias mais interessantes não são
as mais memoráveis a primeira instância. Meu cérebro supersaturado e minha
memória caquética era motivos o suficiente para voltar a escrever.
Terminei meu longo dia de trabalho e
durante minha jornada de volta para casa (caminhada de vinte e quatro
quarteirões e três trens) reli a mensagem algumas vezes. Sempre que chegava na
parte que dizia “E se eu te dissesse que eu sou ela?”, tentava me imaginar
fazendo aquilo, mas não conseguia. Essa garota parecia confiante, segura e
despachada e essa não é a lembrança que tenho da minha adolescência. Era
pálida, tinha cabelos cortados sob a influencia de meu pai arquiteto que
adorava cabelo curto em mulher, usava roupas largas por que nasci me achando
gorda e sempre tive olheiras, graças a insônia que segundo minha mãe começou a
me atormentar assim que aprendi a andar. Essa união fazia de mim uma pessoa
exótica na escola. Admito que em um momento mais tardio da minha juventude,
minha estranheza virou uma opção estética, mas até aquele momento eu era
naturalmente estranha e não tinha a menor ideia de como as outras pessoas me
viam.
Sempre fui assombrada por uma ideia
absurda de que nós não temos como saber se o mundo que nós enxergamos é visto
do mesmo jeito pelos outros. Se azul é a mesma cor para todos nós ou se cada um
vê azul de uma forma diferente mas aprendeu que aquilo é azul e assim
ficamos... Pensei na aplicação da minha teoria sobre as pessoas. Laurinha aos
treze anos era uma garota que se sentia extremamente ordinária, tímida e
retraída na escola. Para esse rapaz, Laurinha era o máximo, meio nojentinha e
convencida, mas mesmo assim, o máximo!
Essa história que me escapava a
memória me fascina por que vinha cercada de dualidade. O que disse para
aquele menino na frente do mural da escola soava aos meus ouvidos como algo que
passaria pela cabeça da Laurinha de treze anos e não algo que ela diria em voz
alta. Nunca vou saber se esse foi um dia em que me sentia especialmente
cheia de autoconfiança ou se era assim sempre e me enxergava de outra forma.
Depois de descrever essa memória o
rapaz me contou que agora depois de crescido, ele passeava no shopping com uma
camiseta do Jurassic Park e um garotinho perguntou se ele trabalhava no parque.
Ele disse que se lembrou na hora -“E se eu te dissesse que eu sou ela?”- e disse pro garoto que sim,
ele trabalhava no parque mas que estava de férias. O menino saiu pinoteando
animado. Confessou que ficou imaginado se seria para o menino o que eu fui para
ele um dia.
Agradeci o moço pelo texto, mas
esqueci de agradecer pela memória e pela oportunidade de me ver pelos olhos de
outra pessoa. Se não fosse por sua “invasão” do meu espaço, nunca saberia que
já fui Lydia.
Isso tudo me deixou pensando na repercução de todos os encontros casuais que nos passam desapercebidos. Nós não temos como saber o impacto que podemos causar na vida de outras pessoas. E as outras personagens que já fui
sem saber? As outras interações esquecidas com pessoas que o tempo desbotou?
Quantas versões de mim mesma vagam no subconsciente alheio? Não vou saber nunca... ou pelo menos não até meu telefone vibrar novamente com um outro nome desconhecido.