sexta-feira, julho 08, 2016

Meus dias como Lydia


 Quase  três anos se passaram desde a última vez que escrevi por aqui. Não sei se por causa do trabalho, do casamento, de outros projeto de escrita, ou só mesmo a falta de vontade.

Ontem depois de andar vinte e quatro quarteirões, pegar três trens, cheguei ao trabalho. Lembrei do meu blog e senti saudade de escrever. O problema é que embora tenha batido saudade,  inspiração que é bom, nada... Ai, pensei - “Estou enferrujada! Hoje a noite quando chegar em casa, tento escrever algo.” Divaguei um pouco sobre algumas coisas, mas logo fui absorvida pela rotina do escritório e deixei esse devaneio de lado.

Algumas horas depois meu celular vibrou. Era uma mensagem no Facebook. Não reconheci o nome, mas como minha memória é péssima abri a mensagem mesmo assim.  O redator se desculpava por “invadir” meu espaço e garantia ser uma pessoa normal. Era um velho amigo de meu irmão mais novo e queria dividir uma história comigo.  Espremi o cérebro, reli seu nome dez vezes tentando me lembra de um amigo de meu irmão que pudesse ser esse moço, mas não fui capaz, mesmo assim continuei a ler seu texto.

Depois de estabelecer a própria sanidade ele se descreveu como um cara comum, casado que ainda vivia na minha cidade natal Teresina. Estava revendo uns texto antigos e se deparou com uma coisa que tinha escrito ha muitos anos parcialmente inspirada por mim. O texto se chamava Lydia.

Prosseguiu me contando que quando menino gravava filmes em VHS e os assistia nos fim de semana repetidamente. Um dos seu favoritos era BeetleJuice de Tim Burton. Nesse filme Winona Ryder atuava como a personagem Lydia.

Aos doze anos ele inspecionava o mural da escola quando uma menina se aproximou. A garota era um pouco estranha, extremamente pálida com cabelos negros e curtos. Devia ser um anos mais velha que ele. Ficou olhando tentando procurar uma forma de se comunicar com ela, mas o máximo que consegui elaborar foi: “Você parece muito com uma moça de um filme.” A garota olhou para o menino e sem pestanejar disse: “E se eu te dissesse que eu sou ela?” Ele ficou embasbacado com o coração acelerado sem entender exatamente o que estava acontecendo.

Um tempo passou e o garoto fez um novo amigo. Um dia durante uma visita a casa desse amigo, o garoto avistou “Lydia”, ela era a irmã mais velha de seu novo companheiro de encrencas. Não sabia se a garota se lembrava dele, mas não teve coragem de mencionar o encontro prévio.

A amizade dos dois rapazes durou alguns tempo e o garoto frequentou a casa de “Lydia” varias vezes sem nunca mencionar o ocorrido. Com o tempo “Lydia” se mudou de cidade, os moços se distanciaram.

A mensagem do rapaz continuava, mas minha atenção ficou presa ao primeiros parágrafos. “E se eu te dissesse que eu sou ela?”- aquela garota pretensiosa de treze anos era Laurinha. Achei inconcebível que não conseguisse  me lembra do ocorrido, ou ao menos do protagonista da história. Mandei uma mensagem para meu irmão perguntando se ele tinha um amigo com esse nome. Ele confirmou, me disse o apelido do garoto e comentou que o garoto havia dormido varias vezes na nossa casa. Eu era adolescente quando tudo isso aconteceu, não uma criança, deveria ser capaz de lembrar pelo menos da existência dessa pessoa, mas minha memória me traia e não deixava emergir se quer uma mísera  referencia de quem ele fosse.

Fiquei sentada olhando para o meu computador chateada com a sensação de perda. As vezes se  tivesse escrito um diário quando criança poderia voltar, rever minhas memória, mas agora era tarde, tantas coisas devem ter se perdido, quantas histórias minha memória poderia ter engolido? Parecia um sinal, um aviso do universo dizendo que eu não precisava de uma grande inspiração para escrever, apontando que as vezes as histórias mais interessantes não são as mais memoráveis a primeira instância. Meu cérebro supersaturado e minha memória caquética era motivos o suficiente para voltar a escrever.

Terminei meu longo dia de trabalho e durante minha jornada de volta para casa (caminhada de vinte e quatro quarteirões e três trens) reli a mensagem algumas vezes. Sempre que chegava na parte que dizia “E se eu te dissesse que eu sou ela?”, tentava me imaginar fazendo aquilo, mas não conseguia. Essa garota parecia confiante, segura e despachada e essa não é a lembrança que tenho da minha adolescência. Era pálida, tinha cabelos cortados sob a influencia de meu pai arquiteto que adorava cabelo curto em mulher, usava roupas largas por que nasci me achando gorda e sempre tive olheiras, graças a insônia que segundo minha mãe começou a me atormentar assim que aprendi a andar. Essa união fazia de mim uma pessoa exótica na escola. Admito que em um momento mais tardio da minha juventude, minha estranheza virou uma opção estética, mas até aquele momento eu era naturalmente estranha e não tinha a menor ideia de como as outras pessoas me viam.

Sempre fui assombrada por uma ideia absurda de que nós não temos como saber se o mundo que nós enxergamos é visto do mesmo jeito pelos outros. Se azul é a mesma cor para todos nós ou se cada um vê azul de uma forma diferente mas aprendeu que aquilo é azul e assim ficamos... Pensei na aplicação da minha teoria sobre as pessoas. Laurinha aos treze anos era uma garota que se sentia extremamente ordinária, tímida e retraída na escola. Para esse rapaz, Laurinha era o máximo, meio nojentinha e convencida, mas mesmo assim, o máximo!

Essa história que me escapava a memória me fascina por que vinha cercada de dualidade. O que disse para aquele menino na frente do mural da escola soava aos meus ouvidos como algo que passaria pela cabeça da Laurinha de treze anos e não algo que ela diria em voz alta. Nunca vou saber se esse foi um dia em que me sentia especialmente cheia de autoconfiança ou se era assim sempre e me enxergava de outra forma. 

Depois de descrever essa memória o rapaz me contou que agora depois de crescido, ele passeava no shopping com uma camiseta do Jurassic Park e um garotinho perguntou se ele trabalhava no parque. Ele disse que se lembrou na hora -“E se eu te dissesse que eu sou ela?”- e disse pro garoto que sim, ele trabalhava no parque mas que estava de férias. O menino saiu pinoteando animado. Confessou que ficou imaginado se seria para o menino o que eu fui para ele um dia.

Agradeci o moço pelo texto, mas esqueci de agradecer pela memória e pela oportunidade de me ver pelos olhos de outra pessoa. Se não fosse por sua “invasão” do meu espaço, nunca saberia que já fui Lydia. 

Isso tudo me deixou pensando na repercução de todos os encontros casuais que nos passam desapercebidos. Nós não temos como saber o impacto que podemos causar na vida de outras pessoas. E as outras personagens que já fui sem saber? As outras interações esquecidas com pessoas que o tempo desbotou? Quantas versões de mim mesma vagam no subconsciente alheio? Não vou saber nunca... ou pelo menos não até meu telefone vibrar novamente com um outro nome desconhecido.

2 comentários:

Hingrid Portela disse...

Voce tem que escrever mais vezes! Uma lembranca me trouxe ao link do seu blog. Nao o abandone! Rsrs E voce nao parecia nao ter autoconfianca hein? Beijos

Kelly Moraes disse...

Hoje assistindo Normal People me lembrei de você...a protagonista é muito parecida contigo...aí essa lembrança me trouxe aqui nesse blog que acompanhei durante algum tempo. 2021 não sei se essa mensagem irá chegar até você...te procurei pelas redes sociais e não te achei. Reli aqui seu texto e a imagem que eu tinha de você na escola era de uma menina super segura, interessante e sempre com alguma novidade pra contar ou compartilhar. Um beijo grande aonde quer que você esteja💕⚘