terça-feira, junho 10, 2008

Coisas de Laurinha na Índia - Parte I

Eu estava dormindo quando o telefone tocou. Era o Namorido. Já faziam duas semanas que ele estava Índia. O que o Namorido estava fazendo na Índia? Eu respondo. Ele trabalha como consultor de negócios e tecnologia. Ele propõe soluções tecnológicas para negócios. Depois de estudar os problemas do cliente, ele projeta uma solução e manda para os programadores terceirizados na Índia. O projeto no qual está trabalhando atualmente estava atrasado na parte de programação, então a empresa do Namorido resolveu mandá-lo à Índia para resolver o pepino.

A viajem deveria durar duas semanas, mas no meio da segunda semana, ele foi informado que teria que ficar sete dias a mais do que o combinado. Naquela manhã, quando ele me acordou, sua voz não parecia das melhores: “vou ficar mais uma semana; agora seriam quatro semanas, completando um mês na Índia, um mês sem a gente se ver!” Eu disse que sentia muito, por que ele ligava todo dia para reclamar de Mumbai, a cidade onde ele estava. Desliguei o telefone e voltei a dormir.

Assim como a viajem do Namorido, algo na minha vida vinha se prolongando mais do que o esperado! Eu estava a quatro semanas lutando inutilmente contra uma crise de herpes que tinha aparecido nos meus lábios, providencialmente na semana do meu aniversário. Depois de passar o meu aniversário todo segurando a boca para não sorrir, por causa da dor que aquilo causava na herpes, eu tinha ganho o apelido de Botox Girl. Meus dotes de maquiadora era tão bons que ninguém conseguia ver os ferimentos, assim meus amigos concluíram que a herpes era uma mentirinha que eu tinha inventado para não admitir que eu tinha feito Botox! Já faziam uma semana e meia que eu não trabalhava, minha herpes continuava a se espalhar e tinha chegado a me deixar sem comer nada sólido por dias. Na tentativa de acalmar meu estresse, maior vilã em caso de herpes, eu tinha tirado uma folga por tempo indeterminado!

Lá estava eu na cama tentando dormir depois de ser acordada pelo Namorido, quando o telefone tocou novamente. Era ele de novo. “Ei, você quer vir pra cá?” Eu ainda estava dormindo, por isso demorou um pouco para entender que eu estava sendo convidada para ir para a Índia! O hotel estava sendo pago pela empresa, o vôo seria pago com milhagens, e tudo em Mumbai era bem barato, a viagem sairia quase de graça. Havia um porém: eu tinha dois dias para me organizar e isso incluía tirar o visto e tomar todas as vacinas para as doenças asiáticas, às quais eu não havia sido exposta na vida!

Wow hoooo!!!! Eu vou para a Índia, não me agüentei e mandei um e-mail para vários amigos e para os meus pais! Organizei a papelada e fui à embaixada indiana; deixei os papéis para voltar no outro dia para buscar o visto. Papelada entregue, era a hora de enfrentar a pior parte: as vacinas! Descobri doenças que eu nem sabia que existiam, como a Encefalite Japonesa!

Depois de toda perfurada por várias vacinas, eu estava pronta para a Índia. Como eu tive pouco tempo para organizar a viagem, faltou tempo para ficar nervosa. Antes que eu tivesse tempo para isso, eu estava no portão de embarque, cercada por indianos! Um rapaz se aproximou e começou a conversar comigo. Foi quando eu descobrir que os indianos são falantes e gostam de interagir! Quando ele me perguntou onde eu estava sentada, eu tive uma surpresa. Ele disse: “Meu assento é 40 D, qual é o seu?” Eu abri a passagem e disse: “2K”. Os olhos do rapaz se arregalaram e ele disse: “Primeira Classe?” Eu respondi que não, mas ele balançou a cabeça e disse que sim, eu estava na primeira classe. Achei estranho, entrei no avião, muito desconfiada. O comissário de bordo percebeu minha dúvida e perguntou qual era o número do meu bilhete. O rapaz estava certo, era primeira classe. Eu não entendi, mas não reclamei. Sentei na minha poltrona enorme e me preparei para 14 horas de bajulação!

Era um absurdo! Primeira classe é um milhão de anos luz separado da classe econômica, tudo exageradíssimo. A poltrona era maravilhosa, enorme, reclinava até quase deitar; TVs individuais, luzes para leitura que vinham de todos os ângulos possíveis e imagináveis. Até ai eu estava bem, mas quando a bajulação começou, eu fiquei chocada. Era tanta comida! O jantar era uma refeição de quatro, cinco pratos: entrada, salada, prato principal, queijos e frutas e por último, sobremesa! Isso tudo regado a vinho, champagne, wiskey, cerveja,... quando eu cheguei na sobremesa, eu tive que recusar o sunday, sobe o olhar descrente da aeromoça! Antes de aterrissar, veio o café da manhã! Outra orgia gastronômica! Eu fiquei pensando se não podia existir uma coisa, tipo classe média, no avião. Um pouquinho mais de espaço e uma comidinha um pouco melhor era suficiente, porque aquele exagero me fazia sentir mal! Bem, mas parece que assim como na sociedade brasileira, a classe média foi espremida!

Cheguei em Mumbai sem conseguir nem me mexer, de tão cheia pelo absurdo de comida! Passei pela imigração; peguei minha bagagem. E resolvi ajudar a menina que estava na poltrona do lado da minha. Elas estava mudando para Índia e, por isso, tinha milhões de malas. Quando nós duas saímos pelo portão de desembarque encontramos um mar de pessoas. Eu logo avistei o Namorido e um senhor indiano num uniforme branco segurando uma placa que dizia: Mrs. Laura Barreto. A garota que eu ajudava avistou seu namorado ao mesmo tempo. Na saída, o homem que segurava a placa com meu nome começou a pegar a bagagem da garota. Ela teve que explicar para o senhor que ela não era Laura.

O senhor era o motorista do hotel. Como o Namorido não sabia se conseguiria ir me buscar, ele contratou um motorista do hotel, mas acabou saindo mais cedo do trabalho e o acompanhando ao aeroporto. O senhor era uma graça. Me chamava de madame. Era madame pra cá, madame para lá e depois de todo o tratamento de primeira classe do vôo, eu estava achando aquilo muito engraçado! Principalmente depois de ter arrastado minha mala por NYC no metrô até o aeroporto, subindo e descendo escada, com aquele peso todo. Em menos de 24 horas eu sai de garçonete em NYC para Madame na Índia e tudo isso por causa de um vôo de primeira classe!
Vista do salão principal do meu hotel!

quarta-feira, maio 28, 2008


Wohooooooo! Coisas de Laurinha está indo para a Índia!!!!!!!!!! Amanhã, Laurinha embarca para Mumbai para uma semana e meia na Índia. Não, eu não vou ver o Taj Mahal, mas enfim... Em uma semana eu vou estar de volta com histórias e fotos!

quarta-feira, maio 14, 2008

Pequeno apontamento linguístico


Em Junho de 2007 eu recebi muitas visitas do Brasil. As primeiras foram minhas duas amigas, seguidas por minha mãe e minha madrinha de batismo. Dentre todas essas, a que tinha maior desenvoltura como viajante e com a língua inglesa era minha madrinha. As que menos entendiam o enrolado som da minha segunda língua eram minha mãe e uma de minhas amigas.

Minha mãe chorava com a cara toda vermelha depois de assistir o Fantasma da Ópera prometendo que, em um ano, voltaria sabendo falar inglês pra conseguir entender tudo o que os atores falavam. Eu consolei dizendo que eu mesma não entendia tudo.

Minha amiga teve uma experiência um pouco mais frustrante. Depois de paquerar horas em um bar, ela conseguiu com que um carinha se aproximasse dela. O moço, para a minha descrença, tomou a iniciativa de falar com ela. E quando eu digo: “Pra minha descrença...” eu falo sério, por que os homens nesse país são uns bundões! Voltando ao assunto... O carinha falou com minha amiga. Sem perder a pose e o sorriso magnético que tinham atraído o rapaz ao lado oposto do bar, ela me olhou dando o sinal para a intromissão. Eu sorri, disse para o rapaz que ela era brasileira e que não falava muito inglês. Aquilo na nossa cabeça de brasileira era um detalhe que faria com que ele falasse mais devagar e tivesse paciência, mas a resposta foi um tanto inesperada. O rapaz ficou vermelho, tentou falar comigo, mas estava tão envergonhado que nada que saía da sua boca fazia sentido. Ele finalmente disse que foi um prazer conhecer minha amiga e voltou para o outro canto do bar de onde tinha vindo. Minha amiga queria morrer de raiva e, assim como minha mãe prometeu que em um ano voltaria falando inglês e aquilo nunca mais aconteceria!

Outro dia, conversando com uma garota filha de mexicanos, eu confirmei uma antiga desconfiança. Era algo que eu sempre soube, mas nunca me senti a vontade para dizer, por soar muito pretensioso. A maioria dos brasileiros é capaz de compreender espanhol se falado devagar e articuladamente, mas o contrário não acontece. Se você, brasileiro, falar em português com uma pessoa que fala espanhol, ele olha para você como se fosse louco. “Ai, você está falando português, não espanhol...hahahah!” Quantas vezes eu ouvi isso! Eu tento explicar que meu espanhol é praticamente um sotaque, uma vez que meu vocabulário é bastante restrito! Nada adianta! Depois de muito pensar sobre o assunto, eu cheguei à conclusão de que talvez os brasileiros sejam mais expostos ao espanhol do que os hispânicos ao português, já que nós somos o único país sul-americano a falar português. Para confirmar essa tese só pondo um português e um espanhol para conversar! Se a explicação não for essa só me resta pensar que nós somos realmente mais inteligentes. Foi no meu jantar de aniversário que eu ganhei este presente, a confirmação da minha tese. A garota, amiga de uma amiga, veio ao meu jantar, e lá estava eu sentada do outro lado da mesa enquanto ela dizia que tinha namorado um brasileiro: “ O engraçado era que se eu falasse com ele em espanhol, ele entendia tudo, mas quando ele falava em português comigo, eu não entendia uma palavra!” “Ahá!” eu pensei e me levantei! Chamei a atenção do Namorido e pedi para ela repetir o que tinha dito! Ali estava uma hispânica confirmando a minha superioridade intelectual de brasileira! Então, nas próximas vezes que você ficar bêbado e começar a falar com um sotaque cafona, copiado de uma novela, e alguém disser que isso não é Espanhol, mande essa pessoa ler o meu Blog!

Claro, que na tentativa de ser entendido por um hispânico você provavelmente vai inventar muitas palavras que não existem, assim como meu chefe! Impossível trabalhar no ramo de restaurantes em NYC sem falar nenhum espanhol. Por volta de 80% dos seus empregados não falam inglês, só espanhol. Por isso, meu chefe, um grego que mesmo vivendo aqui por cinco anos, fala um inglês horroroso, sempre arranha um espanhol. Outro dia, estávamos trabalhando e os Bussboy, estavam meio de papo pro ar. Bussboy, para quem não sabe, são os auxiliares dos garçons, eles recolhem pratos sujos, limpam as mesas quando as pessoas vão embora e coisas do tipo. Eles geralmente são hispânicos, indianos ou afins. Vendo os jovens rapazes de papo pro ar com o restaurante relativamente cheio, ele pediu a um Bussboy que limpasse uma mesa: “Clenaria, Clenaria, Senhor!” Todos os outros Bussboys e eu começamos a rir. Eu lembrava dos produtos Tabajara do Casseta e Planeta, como o Embelezeitor Tabajara! Lá estava nosso bom e velho Embromation sendo usado em outro língua! Clenaria! Era o Spanglish!

Eu não posso culpar meu chefe por tentar! Até por que o bom e velho Embromation pode um dia vir a salvar o seu dia. Minhas amigas mencionadas anteriormente, em visita ao Empire State Building, se perderam. Uma foi para um lado, outra para o outro e antes que se dessem conta, estavam sozinhas. Como as duas estavam subindo o Empire State Building, as duas tiveram a mesma idéia: achar o elevador. Uma delas sabia mais inglês do que falava, por que era envergonhada, mas a outra não falava por que não sabia mesmo! Foi quando ela viu uma funcionária local e resolveu perguntar: “Where is the Elevator?” A moça apontou a direção enquanto minha amiga se deliciava com a descoberta dessa nova palavra: Elevator era na verdade Elevador, e o Embromation não era uma completa embromação afinal de contas! Assim as duas se reencontraram no elevador.

Meu chefe falando Clenaria como se a palavra existisse, minha amiga se deliciando com a ampliação do seu vocabulário com o Elevator ou a minha felicidade na descoberta da “superioridade intelectual brasileira” (como eu nunca ouvi a mesma coisa de um português, eu vou ser obrigada a deixá-los de fora dessa panelinha, até por que a gente sabe que intelectualidade não é bem o forte desse povo!) eram no fim das contas a mesma coisa: um grande esforço para superar as barreiras da comunicação. Enquanto o pobre rapaz americano se encolhia e voltava para o outro canto do bar deixando para traz uma mulher maravilhosa, outros se torcem, gesticulam e até inventam novas palavras na ânsia de serem entendidos! Por isso, termino dizendo: “Quem tem boca vai a Roma! E pode até fazer uma escala em New York!”

PS: Quase um ano se passou e minha amiga e minha mãe têm pouco tempo para aprender inglês antes de virem me pagar uma segunda visita!

segunda-feira, maio 05, 2008

Natal longe de casa

Chegaram aqueles doces e assustadores tempos! As festas de final de ano! O maior medo de quem mora longe da família, é não poder voltar para casa nessa época do ano. É quando você pensa no que fez durante aqueles 12 últimos meses e pondera, coloca as suas realizações de um lado da balança, do outro, os amigos e a família deixados tão longe. Nós, os despatriados, trabalhamos duro o ano todo. Longas horas são necessárias para compensar nossos lapsos de vocabulário, ou nossa ignorância de certos costumes locais, mas nós nos atemos as possibilidades. São tantas portas abertas! Amigos que são feitos aqui acabam se espalhando por todos os lados do mundo, e antes que você perceba a magia de morar em uma das cidades mais cosmopolitas do mundo, você está se correspondendo com pessoas na Grécia, no Japão, França, Itália, Rússia, Peru, Chechenia... Todas essas pessoas vão alimentando seus sonhos de conhecer esses países e culturas diferentes.

A outra coisa que nós mantém de pé, muitas vezes mais doentes e cansados do que acreditamos estar, é a perspectiva de voltar para casa no fim do ano. Quando, por algum motivo, isso não acontece...ai, a casa cai!

Era fato! Eu não tinha dinheiro para passar o Natal em casa. Na situação estranha em que eu e o Namorido estávamos, a possibilidade de passar o Natal no Texas, tendo que me explicar a todo tempo para os parentes, não parecia muito tentadora. Ele me ligou perguntando o que seria do Natal. Tentei pensar em algo, mas nada me ocorreu. Ele me disse que se eu quisesse ir com ele para o Texas, estava convidada, mas se não fosse, ele passaria o Natal em New York comigo. Expliquei que estava sem dinheiro. Ele ofereceu o cartão de crédito, disse para ficar com ele e, que depois, quando tivesse dinheiro podia pagar a conta. Eu aceitei.

Depois da decisão do Natal vinha a do Reveillon. O ano que eu passei a virada em NYC foi horrível! Frio demais, todos os lugares lotados e as festas fechadas eram caras demais. Eu sugeri passar o Reveillon por lá também. Eu tenho uma amiga de Belo Horizonte, que se formou na em Belas Artes na UFMG, que mora em Austin. Nós nos falamos sempre, mas nos vemos muito pouco. Como o Namorido tem amigos em Austin, achei que essa seria uma solução barata, divertida e não estressante. Ele concordou, mas deixou no ar se preferia passar o Reveillon em Dallas ou em Austin. Completou dizendo que também não queria gastar uma fortuna no Reveillon. Assim, nós marcamos as passagens.

Depois de gastar um dinheiro que eu não tinha em presentes para a família do Namorido, nós fizemos as malas e migramos para o sul. Aquela era a melhor parte de chegar em Dallas em Dezembro: fugir do frio de New York.

A família me recebeu bem como sempre! Eu e o Namorido saímos logo desembestados procurando por os últimos detalhes nos presentes antes do Natal restrito. A família do Namorido tem dois natais! Um é celebrado com a mãe, irmã e irmão dele. O outro com toda a família. Essa divisão é feita por que o resto da família dele é muito pobre e eles se sentem constrangidos trocando presentes caros na frente de todos. Saímos para um filme familiar, almoço familiar, e finalmente trocamos presentes à noite. Nada muito emocionante ou muito familiar para mim.

Na manhã do dia seguinte veio a parte dolorida do Natal em Dallas, a igreja! A última vez que eu fui a uma igreja católica, tirando casamentos e missas de finados, tinha nove anos de idade. Me lembro das lágrimas que escorreram no rosto da minha avó, quando disse que aquela era a minha última vez, por que eu não acreditava em nada do que o padre dizia. Lá estava eu, depois de fazer a minha própria avó chorar de decepção, imaginando as terríveis torturas que sua netinha herege sofreria nas profundezas do inferno pela eternidade, incapaz de dizer: “Não muito obrigado, mas eu não vou à igreja!” Achei que seria extrema grosseria e, por isso, eu remoia a raiva de estar naquela igreja, muito pior do que a católica: Igreja blábláblá.. Fanática de Jesus Cristo!

Bem, eu sobrevivi à igreja, extremamente injuriada, mas inteira. Agora, era saber se eu sobreviveria a Three Rivers! Oh Three Rivers! Desde que eu me mudei para New York eu ouço histórias sobre Three Rivers, a cidade natal de minha sogra e onde parte de sua família ainda vive. O Namorido sempre foi muito enfático ao descrever os familiares de Three Rives: Red Necks! A primeira vez que eu ouvi a expressão, ele teve que me explicar o que significava. A tradução de Red Neck para português é Pescoço Vermelho. O termo é extremamente ofensivo e discriminante, mas por já ter caído há muito tempo na linguagem popular a expressão foi se banalizando. Eles chamam de Pescoço Vermelho as pessoas brancas, pobres e sem escolaridade. Como essas pessoas não têm formação acadêmica, elas geralmente fazem trabalhos braçais, muitas vezes expostos ao sol, caso da construção civil. A exposição solar durante o trabalho é responsável por fazer com que a parte de trás do pescoço fique vermelha, daí, Red Necks. Essa é a explicação do surgimento do termo. Hoje em dia, independente do trabalho que essas pessoas realizam, os Red Necks, são considerados indivíduos sem escolaridade, classe, educação ou qualquer noção de etiqueta. Mas esse termo só se aplica a pessoas de descendência branca; negros e latinos não podem ser ofendidos por esse termo! Foi levando em consideração o quão ofensivo o termo é, que eu me assustei quando vi o Namorido descrevendo sua própria família por tal linguagem.

No Natal do ano passado, eu tinha ouvido muitas histórias sobre a avó e as tias do Namorido. Ele tentava me preparar para o pior, foi o que eu pensei. Quando eu, finalmente, as conheci, eu entendi a razão do discurso distanciado do Namorido. Sua mãe saiu de Three Rives assim que se casou com seu pai. O pai do Namorido era formado e tinha um emprego que colocou a família no padrão de classe média; sua mãe é professora primária. Enquanto o Namorido e seus irmãos tiveram acesso a educação e cultura, vivendo em Dallas, os resto da família continuou em Three Rivers, uma cidadezinha que faz Cocal de Telha, no interior do Piauí, parecer uma megalópole. O abismo cultural entra as duas partes da família é imenso, mas impossível deixar de observar o quão doce e divertidas são as tias e a avó do Namorido. Esse ano, no entanto, a história era outra. Diferente do natal de 2006, quando as tias e Granny se juntaram a nós em Dallas, esse ano, seriamos nós que iríamos para Three Rivers. Então depois do Natal classe média alta em Dallas e da tortura psicológica na Igreja Besteirol de Jesus Cristo (eu não si o nome certo da igreja, mas eu nunca ouvi tanta loucura num mesmo lugar!), empacotamos tudo e rumamos ao Sul!

Chegamos à noitinha; toda a família já estava na sala da casa de Granny (Vovó) esperando por nós. Reconheci todas as tias enquanto tentava me lembrar quem era quem, uma vez que todos os nomes começavam com “J” e eram bem parecidos. Eram muitos os rostos novos, alguns primos e as crianças dos primos, um bando de meninas com nomes muito similares começados em “A”. Um dos primos do Namorido me cumprimentou e me apresentou a mais nova de suas três filhas de nomes iniciados com “A”. Ela não se mostrou tímida, pulou no meu colo e beijou minhas bochechas e espremeu minha cabeça. A irmã “A” mais velha devia ter uns 14 anos de idade, toda vestida de preto, estilo “sou revoltada e Rock and Roll” enquanto a irmã do meio era hiper-ativa e muito feminina. Para confundir ainda mais minha cabeça, havia uma quarta garota com nome começando com “A”; era prima das outras 3 garotas, filha de outro primo do Namorido. Eu repeti mil vezes os nomes das meninas na minha cabeça assim que eu fui apresentada a todas elas, mas em menos de dez minutos eu já não tinha idéia de quem era quem. Eu fiquei quieta pela noite toda, com medo de chamar alguém pelo nome errado. Passei ilesa pelos jogos familiares de Natal. Tenho que admitir que foi o Natal mais engraçado e barulhento da minha vida.

Na manhã seguinte, o Namorido resolveu me mostrar o Rancho. Em dezembro, o Texas é extremamente seco, assim como o Piauí em julho. Enquanto caminhávamos, o Namorido me atualizava das fofocas familiares das quais tinha se inteirado na noite anterior. O seu primo, o pai do trio “A”, acabara de sair da prisão, ficou preso por causa de uma briga com a sua Namorada. Não fiz muitas perguntas, achei que pudesse ser ofensivo. O outro primo tinha recentemente sido promovido a chefe de uma de suas tias. Ele era agora gerente do restaurante mais famoso da cidade (eu tenho a impressão que esse era o único, por isso o mais famoso!), onde sua tia era garçonete. O Tio estava trabalhando em novos carros de corrida e provavelmente iria querer me mostrar sua oficina mais tarde. Nós andávamos no meio dos galhos torcidos enquanto o Namorido me explicava a existência de tanta sucata na propriedade. Eram carros, tratores e até caminhões velhos no meio do mato. Ele me dizia que o falecido avó era mecânico, quando vimos alguém acenado para nós da janela. “Já acharam alguma cascavel ?” gritava o seu tio pela janela. O Namorido viu meu rosto se transformar. “Ainda não, só uns gatos selvagens por enquanto!” respondeu o Namorido, que logo após responder o tio tratou de me acalmar dizendo que não era assim tão comum esbarrar com uma cascavel.
Não foi um réptil que nos pôs para correr por entre os galhos secos da propriedade. Depois de andar bastante e tirar muitas fotos nós vimos uma possa de água em uma parte rebaixada do terreno. Na margem da grande possa d`água, um cavalo selvagem e um passarinho no seu lombo. Eu me aproximei o máximo possível para tirar uma foto sem assustá-lo. Ele parou de beber e me encarou. O Namorido riu e disse que aqueles pareciam personagens de um desenho animado: o cavalo letárgico e o passarinho saltitante. Foi logo após esse comentário que o cavalo me encarou de novo. “Eu acho que ele se ofendeu com o termo Cavalo Letárgico!” eu disse. O cavalo vendo que nós ainda estávamos lá começou a se aproximar de nós. Eu demorei alguns segundos para entender que ele estava realmente nos confrontando. Assim que eu percebi, comecei a me afastar andando de costas sem perder o cavalo de vista até que esse chegou bem perto e eu tive que me virar e começar a correr. O cavalo parou assim que tinha atingido o ponto alto do terreno, de onde nós o observávamos; nos encarou e esperou que fôssemos embora. Eu repreendi o Namorido por ter ofendido o cavalo! “Letárgico, hein?!”Voltamos para a casa de Granny, onde a própria me perguntou se eu havia encontrado uma cascavel. Eu lhe disse que não, que tinha corrido de um animal bem maior que uma cascavel. Ela me contou como tinha matado uma cascavel que ela tinha encontrado na varanda de sua casa uma semana antes de chegarmos lá. O Namorido e eu trocamos olhares, ele sabia o que aquilo significava: “Uma cascavel morta na varanda semana passada e ele me levando por expedições no meio do mato!”

Depois do almoço, foi a hora de outra expedição. Eu, o Namorido, o primo gerente do restaurante mais famoso da cidade, a garota “A” do meio, além do primo recém saído da prisão fomos visitar a oficina do tio mecânico. Nos Eua, ninguém assiste Fórmula 1; corrida de carros famosa por aqui é Nascar! Outro tipo popular de corrida por aqui é a de carro de arranque. Aquela corrida que dura poucos segundos, onde os carros percorrem uma distância relativamente pequena em linha reta. Esses carros chegam a velocidades altíssimas e, geralmente, precisam da ajuda de um pára-quedas para pararem. Diferente da Fórmula 1, que no resto do mundo é conhecido como um esporte de elite, as corridas de carros americanas são uns dos esportes favoritos dos Red Necks. O Tio do Namorido construía carros de rápida aceleração, os do tipo que precisam de pára-quedas para freiar. Entrei em todos os carros, ele me explicou como tudo funcionava e ficou encantado em conhecer uma mulher que sabe dirigir um carro de câmbio manual. Eu adorei a oficina, mas foi quando ele me mostrou um pedaço do motor de um dos carros preso no teto, o que ocorreu por causa da explosão enquanto ele trabalhava, que eu pensei que aquele lugar talvez fosse mais perigoso que o meio do mato com o cavalo letárgico.Depois de visitar a oficina, o primo do Namorido queria me mostrar um dos rios de Three Rivers (que se traduz para português como Três Rios). Ciente do meu interesse em tirar fotos das sucatas do seu avó, o primo resolveu me mostrar alguns carros velhos que tinham sidos levados pela correnteza da última enchente do rio. Agora, na seca, os carros estavam na beira do rio e ele achou que eu adoraria fotografá-los. Ninguém o contrariou, muito menos eu, a quem ele tentava agradar. Nós andamos no meio do matagal por vinte minutos seguindo a margem do rio e nada de carros. Ele continuava a dizer que eles deviam estar um pouco mais longe. Eu tentava me ater ao fato de que a filhinha do primo estava conosco, mas era difícil não lembrar que eu estava a vinte minutos entrando cada vez mais profundamente num matagal com um ex-presidiário. Eu sabia muito pouco do motivo pelo qual ele tinha sido preso e, por isso, depois de meia hora procurando pelos caros, eu tirei um monte de fotos de galhos torcidos e do rio e me fingi de muito satisfeita!

A pequena “A”, esperava por mim indócil. Durante o pouco tempo que eu estava lá as duas irmãs mais novas haviam me adotado como mãe. Foi só eu brincar de massinha, mostrar algumas fotos no computador e deixar que elas penteassem meu cabelo e lá estava eu sendo abraçada e conduzida de mãos dadas a todos o lugares pelas duas. Foi nesse momento que eu me meti em outra aventura texana. A pequena “A” estava eufórica para passear comigo no carrinho de golfe. Eu vi a mais velha das “A” levantando poeira do chão dando cavalo de pau com o carrinho. Ela parou na nossa frente e perguntou se eu queria dirigir. Eu recusei. Grande erro. A “A” do meio tomou o acento do motorista, me encarou esperando que eu tomasse o acento do passageiro. Eu procurei o olhar de algum adulto que estivesse por perto para estudar sua expressão facial, enquanto eu perguntava a uma garotinha de nove anos se ela sabia como dirigir aquela coisa. Vi o seu pai. Ele dizia de longe “Pode ir, ela sabe dirigir o carrinho!” Sentei no carro dizendo que fosse devagar. A pequena “A” pulou no meu colo e agora, além de segurar, eu era responsável pela integridade física da mais nova. As tias saíram pra fora e, como todas acenavam rindo, eu achei que não corria perigo. Depois de muitas voltas no carinho e de receber aulas de direção da garotinha de nove anos de idade, eu resolvi que meu cabelo e minhas roupas já cheiravam o suficiente a óleo, ou seja lá qual era o combustível que aquele troço usava.

Procurei pelo Namorido, mas nada! Sua mãe me disse que fosse procurar por ele na casa em frente, a de uma de suas tias. Abri a porta e vi o Namorido, a mais velha das irmã “A” e o pai da menina. Os três estavam muito entretidos, mas logo repararam minha presença. Eles jogavam Garage Band, um videogame de música. Namorido estava com a guitarra, “A”, na bateria e o primo no vocal. Seguindo meu rastro, as duas outras irmãs “A” logo apareceram. A pequena tomou o microfone do pai e a do meio assumiu o baixo. O primo veio conversar comigo. Eu estava no sofá comendo um chocolate que a pequena “A” havia me dado. O primo se aproximou e depois de poucos minutos de conversa, exclamou: “ Agora, eu e o Namorido, temos as mulheres mais bonitas da família.” Sorri meio sem graça. Ele entrou em um quarto e voltou com uma foto nas mãos. Era a sua mulher. Eu perguntei onde ela estava. Ele fez um gesto que eu não entendi. Fechou as duas mãos e pôs elas perto do rosto, uma do lado da outra. Eu fiz uma cara de quem não tinha entendido. Ele se explicou: “Atrás das grades!” dando uma risada. Eu não consegui pensar em nada para dizer então o que saiu da minha boca foi: “Ah..” Então ele começou a dizer como ela tinha medo que ele a deixasse, enquanto ele jurava de pé junto que esperaria por ela. Perguntei quando ela sairia. Ele disse que em 2011. Pensei um pouco e perguntei por que estava presa. Ele responde: “ A gente vacilou! Eu peguei pouco tempo, mas como ela era reincidente, ela pegou mais tempo que eu.” Eu olhava para as três meninas horrorizadas, ter a mãe e o pai presos... não me admirava que todos achavam que eram loucas! Evitei mais perguntas, não por causa do primo, ele não parecia nem um pouco desconfortável em entrar em detalhes, era eu que não queria me aprofundar no assunto. Para minha sorte, minha sogra apareceu chamando todos para o jantar. As duas garotas mais novas correram pra me dar a mão e assim, fui escoltada de volta a casa da Avó.

Eu não consegui deixar de olhar para as três garotas e me sentir mal por elas. Depois do jantar, enquanto todos assistiam TV, me dediquei a brincar de massinha de modelar com as duas mais novas. No meio da conversa a menor olhou para mim com um olhar choroso e disse: “ Eu sinto falta da minha mãe!” Meus olhos se encheram de água. Eu me segurei e disse: “Mas daqui a pouco ela vai estar de volta, você vai ver!” Disse isso tentando me convencer que 2011 estava logo ali! A menina torcendo o nariz fazendo uma careta inesperada disse: “ Como você sabe?” Fiquei assustada sem saber o que dizer. Terrenos nebulosos esses por onde eu tinha me enveredado. Minha experiência com casos de crianças de pais delinqüentes era absolutamente nula! Me limitei a sorrir e mudar de assunto mostrando-lhe como fazer uma rosa de massinha de modelar.

Eu estava exausta de tanto brincar com as meninas “A”, então quando eu me deitei no sofá-cama da sala com o Namorido, aí cai no sono instantaneamente. No outro sofá, na mesma sala, dormia o irmão do Namorido. Eu acordei às três da manhã, com alguém batendo na janela acima de minha cabeça. Cutuquei o Namorido, que mesmo depois de muito ser empurrado, não se movia. Até que resolvi falar: “Tem alguém batendo na janela.” Repeti a frase três vezes, até que ele deu sinal de vida: “Psiu!!!!!!” Eu fiquei sem entender, mas permaneci em silêncio. Ouvi alguém tentando abrir a porta da cozinha, mas esta estava trancada. A pessoa finalmente desistiu. O primeiro a quebrar o silêncio, quase dois minutos depois, foi o irmão, que dormia no outro sofá: “Você ouviu aquilo?” O Namorido respondeu: “ Ouvi, quase me mata de susto.” Foi quando eu percebi que eu era a menos assustada do recinto. Eles me explicaram que a casa fica perto da linha do trem e por ser perto da fronteira com o México, muitos imigrantes ilegais, ao verem as luzes da casa no meio do nada, saltavam do trem e batiam à porta em busca de comida e água. O Namorido também me explicou que a porta da cozinha, por sorte estava trancada, mas se ele tivesse dado a volta e tentado abrir a outra porta, teria entrado na casa, pois esta estava quebrada e não fechava. “ Você podia acabar seus dias morta por um Mexicano sedento!”Na manhã seguinte, o assunto era o visitante noturno. Todos falavam do perigo, mas ninguém parecia realmente assustado. Nos preparamos para almoçar. Fomos parar num restaurante Mexicano. Enquanto esperávamos por uma mesa, a mãe do Namorido me contou que a pequena “A” tinha lhe dito que eu era a sua mãe pela semana. A pequena chegou na mesma hora, e minha sogra perguntou a pequenina se não era verdade que ela queria que eu fosse sua mão pela semana. Ela sorriu, me abraçou e disse que pela semana não, e sim pelo mês! Eu perguntei se isso fazia do Namorido seu pai. Ela abriu um sorriso maior ainda e sentada no meu colo segurava a mão do Namorido e dizia que, pelo mês, nós seríamos seus pais. Quando nós finalmente nos sentamos à mesa, as garotas faziam tanta algazarra que o Namorido não resistiu e falou em português: “Quer ter umas crianças?” Nossos instintos de paternidade e maternidade, naturalmente já inibidos, desapareciam diante de tal demonstração de comportamento infantil!

Depois do almoço, nos dividimos em dois carros. As meninas foram com a avó no outro carro, por que a estas alturas do campeonato, a minha suposta maternidade já havia me esgotado! A prima do Namorido começou a explicar por que a moça da foto que o primo me mostrara estava presa. Ela tinha viajado sozinha para a Florida para encontrar com um “cara”. O primo foi atrás da moça para trazê-la de volta, mas ela não estava disposta a voltar. Durante uma briga pública puxou uma faca para o primo do Namorido. A polícia apareceu e levou os dois. A moça, como era reincidente, pegou mais tempo. Depois dessa história ela continuou: “A mãe delas também é outro caso a parte...” Eu fiquei tonta!!! Como assim? “A moça presa não era a mãe das meninas?” - eu perguntei. Me disseram que não. A mãe, com quem as meninas moravam em Santo Antônio, era separada do pai e tinha outro marido que, por coincidência, também estava preso. Fiquei de boca aberta, mas a história não terminava ai. Com o marido preso, a mãe das garotas agora namorava seu chefe. Morava com as três garotas e sua mãe, também a avó das meninas. A avó era doente, tinha seu próprio quarto na casa e embora vivesse no balão de oxigênio e não saísse para lugar algum por causa da sua enfermidade, tinha um namorado de vinte e poucos anos, que vivia com ela em seu quarto! Minha sogra, balançava a cabeça enquanto o Namorido, rindo, dizia não acreditar naquilo. Depois daquela explicação, eu entendi a careta da pequenina quando eu disse que não se preocupasse que sua mãe logo estaria de volta!

Resolveram que iríamos à praia. Achei engraçado, porque praia era a última imagem que vinha a minha cabeça quando eu pensava em Texas. Uma das adoráveis tias do Namorido teve então uma idéia. Me levar ao monumento a Selena. Ela tinha sido uma cantora mexicana ( na verdade ela nasceu no Texas, mas era filha de mexicanos) que ficou muito famosa nos EUA e foi assassinada pela presidente do fã clube da moça. Ela havia sido baleada na cidade onde estávamos, Cospus Crist. O Namorido morria de rir. Ele sabia que eu não tinha idéia de quem era essa moça, mas que sua família assumia que eu era uma fã por que ela era famosa entre os latinos. “ Mexicanos e brasileiros, tudo a mesma coisa!” brincava o Namorido! Eu fui ver o monumento sem dar sinal de que não estava interessada. Eu e o Namorido morremos de rir da estátua que fizeram em homenagem à moça!

Chegamos em casa exaustos! Arrumei as coisas, pois sabia que aquela seria a última noite. Na manhã seguinte, eu e o Namorido iríamos a Austin. Acordei e em poucos minutos as duas meninas “A” apareceram. Pinotaram, gritaram, me abraçaram, pediram que eu as levasse com elas, mas finalmente o pai apareceu e fez com que se comportassem. Nos despedimos de todos e, finalmente, entramos no carro. Olhei para a paisagem ressecada, para os carros velhos enferrujando e para as duas meninas. O Namorido me perguntou no seu português engraçado: “ Você divertiu?” Eu ri, dei uma última olhada para a casinha de Granny e disse: “ Com certeza uma bela aventura!”

domingo, março 23, 2008

A porta do Diabo


Era mais uma daquelas revelações! Eu detestava admitir, por que isso me colocava na mesma laia que o Namorido(*1), mas revelação era o melhor termo. Eu chamo de Porta do capeta essa minha revelação! Uma passagem aberta no ano passado, por onde toda a certeza amorosa que se empenhava em manter meu relacionamento se foi. Depois de tantas “maldades” sofridas nas mãos do Namorido, era difícil acreditar que tudo ficaria bem. Várias correntes filosóficas tentavam me apaziguar os nervos pelas vozes de minhas fiéis amigas:

“Ele é apenas imaturo, uma hora ele vai amadurecer!”

“Você tem que aceitar as pessoas como elas são, pensar que você pode mudá-lo é ilusão.”

“Daqui a pouco aparece alguém muito melhor e você vai é rir disso tudo.”

“Podem falar o que quiserem, mas eu acho que vocês vão se entender.”

“Não sei o que mais ele precisa fazer para provar que não é uma pessoa boa!”

“Mermã, não sei como é que tu agüentas!”

Em meio a tantas opiniões, algumas delas vindas de dentro da minha própria cabeça, eu me vi com a mão na maçaneta da Porta do Capeta. Essa é uma portinha pequena, mas que tem o poder de crescer se não for fechada a tempo.

Era um sentimento ao qual eu já tinha me desacostumado: a volta de uma certa percepção, do que eu causava nos demais ao meu redor, mais especificamente nos homens. A última vez que eu estive ciente disso foi quando o Motivo me fez ir de salto alto ao trabalho. Impressionante o poder do salto alto! Agora eu me via longe de Nova Iorque e a percepção do sexo oposto me atingiu como uma bofetada.

Durante todo o tempo em que eu tinha estado apaixonada pelo Namorido, os rapazes passavam meio despercebidos... quer dizer, não tanto. Eu sempre tive olhos para os homens absurdamente bonitos, mas confesso que estava perdendo a mão na hora de perceber o desconforto que é causado quando um homem se interessa por uma mulher, especialmente, quando essa mulher era eu. Dessa vez, foi diferente. Cheguei ao Brasil mais atenta aos olhares! Pesquisas científicas dizem que as mulheres têm a visão periférica mais desenvolvida do que os homens, enquanto esses têm a visão objetiva mais eficiente. Eles até atribuem a isso a incapacidade dos homens de acharem a perdida chave do carro dentro de um quarto pequeno. Eu acho que as mulheres têm a visão periférica desenvolvida para perceberem quando estão sendo observadas. É um dom extremamente feminino. Você não tem que olhar sequer virar a cabeça; pela imagem borrada formada no canto do seu olho você tem a denúncia: alguém está olhando para você! Daí basta uma inventada necessidade de arranjar os cabelos para desviar a visão e confirmar a suspeita. O meliante é pego em flagrante e, muitas vezes, nem se percebe desmascarado.

Além dos olhares, me pareceram também mais explícitos os gestos de cavalheirismo. Quantas foram as gentilezas para comigo. Quantas portas abertas, cadeiras puxadas, favores ofertados, presentes inesperados... Onde toda essa gentileza foi parar nesses últimos anos? Ela sempre esteve lá, eu passava despercebida por ela? Teria eu cometido tal crime ou teria sido a mão na portinha do Coisa Ruim, a porta das possibilidades que tinha me trazido de volta tal agrado.

Muitas vezes, na tentativa de me consolar, muitas de minhas amigas diziam que eu não teria dificuldade em encontrar um novo alguém. “Você pode ter o homem que quiser apaixonado por você!” Eu, relevando o exagero do “o homem que quiser”, tinha que concordar que achar outro pretendente não seria tarefa difícil. Eu tinha que admitir meu lado Casa Nova, como minha amiga da Chechênia gosta de chamar, ou seja, Don Juan! Esse era um talento que eu sempre soube que eu tive: a de conseguir manter o interesse dos pretendentes, uma vez que a relação se estabelecesse verbalmente. Nada muito anormal, nenhuma inteligência suprema, apenas uma facilidade enorme em descobrir o que cada um deles precisa ouvir para que os seus olhinhos brilhem. Uma combinação infalível de cinema, música, uma rasa pitada de artes plásticas, uma sofisticação displicente na hora de escolher o vinho, uma pitada de surpresa e subversão pela revelação do interesse em arte seqüencial (nome científico de histórias em quadrinho) e lutas marciais ( eu fiz jiu-jitsu por um ano, e sim! Eu adorava!). Era um mistura quase que 100% certeira! As vezes, eu mesma me repreendia quando me percebia usando a mesma velha fórmula. Eu pensava que os anos passavam, algumas coisas eram adicionadas na lista de qualidades, o nível de confiança na fórmula ia crescendo e os homens parecendo cada vez mais previsíveis! Alguns, claro, ultrapassavam as frivolidades e conseguiam chegar a um nível mais profundo da minha identidade, limites onde as coisas são mais confusas e imprevisíveis, mas ali, nas águas rasas das primeiras conversas casuais, era batata! Essa habilidade virou lenda no decorrer dos anos: por que eles sempre ligam no dia seguinte?- perguntavam, minhas amigas! Difícil era convencê-las de que aquilo não acontecia por causa dos meus grandes olhos castanhos!

Eu passei a criticar meus próprios métodos, racionalizar o não racionalizável. Processos auto-críticos concluíram que meu método havia sido criado inconscientemente, por isso, era genuíno e irrepreensível, assim a culpa foi por água abaixo. Além disso, eu mesma só conseguia identificar que estava atando mais um às minhas teias de viúva negra, quando era tarde para retroceder. Atire a primeira pedra quem não obtém prazer em ser admirado!

Claro que nesse ano somou-se a toda essa desenvoltura, alguns atributos tanto novos quanto irritantes: a residência em Nova Iorque e a carreira no cinema. A freqüência com que olhos se chamuscavam com faíscas quando esses atributos eram mencionados, geralmente por terceiros, se tornou irritante desde o princípio. Essas eram qualidades que eu não ostentava, nem gostava de ter agregadas. Essas tinham sido as férias dos Cinderelos, tentando espremer seus pezinhos, não tão delicados, em finos sapatos de cristal. A última vez que aquilo havia acontecido em minha vida, eu tinha apenas quatorze anos. Tempo suficiente tinha se passado para que eu me esquecesse do sentimento que aquilo despertava dentro de mim, mas também para desenvolver uma enorme desconfiança sobre esses Romeus, tão rapidamente arrebatados por encantos, que eu nem mesmo entendia como funcionava!

Vislumbrei todos os Montecchios, anestesiados de paixão, pela fresta entreaberta da portinha do Coisa Ruim! Um pavor tomou conta de mim. Era o que eu mais temia! Difícil dizer isso sem parecer insuportavelmente antipática, mas meu medo não era o de não encontrar alguém que me amasse depois do Namorido, e sim o de não encontrar alguém que eu pudesse amar incondicionalmente como antes. Mesmo antes de conhecer o Namorido, a portinha do Cramulhão era o meu pior pesadelo. Era inconcebível para mim como, diante do mar de possibilidades que se encontrava por trás daquela porta, alguém pudesse pensar em algo para sempre. Deus (e o Diabo, é claro) sabe como, mas em um momento da minha vida essa porta foi fechada e agora lá vinha ela me atormentar! A sensação de incapacidade de retribuir a afeição incondicional e eterna de uma pessoa, o medo de mudar de idéia. O medo, que deveria ser apenas o de não ter aquela pessoa ao seu lado... tudo aquilo tinha saído de lugar.

Os céus atenderam as preces e me enviaram não apenas um, mas vários pretendentes com os pré-requisitos que eu mesma havia ditado: maduros, tranqüilos e adoradores da minha pessoa. Eram como as porções no Texas(*2), muito maiores do que o que você é capaz de processar. Aqui estou eu, com minha caixa de Pandora entreaberta, olhando para os lados, sem saber se alguém vai aparecer correndo para me impedir de abri-la. A paz havia sido quebrada, e nem eu mesma sabia se esta seria passível de ser novamente instaurada. Talvez eu estivesse abrindo a porta temporariamente, talvez alguém viesse correndo e a trancaria para sempre, talvez eu a fechasse por vontade própria, ou talvez ela mesma se fechasse para mim e eu acabaria, como diria Chico Buarque, “Num tapete atrás da porta”. Por enquanto, em meus sonhos tudo era regado ao blues de Madeleine Peyroux, meu peixe favorito era Nemo, e a língua falada o Francês.

(*1) Menção ao texto Revelação, publicado no dia 09 de novembro de 2007.
(*2) Recorrer ao texto Pequenos apontamentos sobre coisas não tão pequenas..., escrito em 29 de Dezembro de 2005.

sexta-feira, março 21, 2008

Fidelíssimo


Fidel Castro renuncia o poder! Eu ouvi a notícia no jornal e... “Uau!” eu vi a expressão de admiração ser proferida por mim mesma quase que instantaneamente. Fidel era para mim como o Fantasma, o personagem de quadrinhos. Eu achava que ele ia morrendo e um sósia ia substituindo o ícone sem que ninguém percebesse. Isso explicaria tanto tempo de governo, e toda a lenda criada em torno do personagem.

Já faz um tempo que eu não ouço uma notícia que fazia minha cabeça ir a tantos lugares em tão pouco tempo. Em pouquíssimos segundos eu lembrei de tantas coisas! A primeira delas foi de um dos meus professores. Ele era de Londres e trabalhava no Rio como professor de inglês, mas antes de morar na cidade maravilhosa ele passou uma temporada em Cuba. Ele, que era um homem altíssimo e muito forte, me contou como virou um palito de magro depois de passar um mês tentando viver como os cubanos. Ele me contou que, durante o seu regime cubano, ele teve a oportunidade de ver Fidel. Ouvindo rumores de que o grande líder comunista faria uma aparição pública, meu mestre resolveu descobrir onde aquilo ocorreria. Perguntando aos moradores de Havana se os rumores eram verdadeiros e onde aquilo ocorreria, ele não encontrou resposta. Todos diziam não saber de nada. Meu mestre continuou de olhos e ouvidos abertos e não pensou duas vezes quando percebeu muitas pessoas se dirigindo a um mesmo local. Seguindo os moradores do local, ele se deparou com um parque absolutamente cheio de gente. Ele me disse que achava que toda a cidade estava lá. Ele perguntou a algumas pessoas se estavam ali pra ver Fidel Castro, ninguém respondeu que sim ou que não. Em poucos minutos que meu professor estava no local, ele foi inesperadamente abordado por oficiais. Tirado rapidamente do local, ele se viu sendo interrogado pelos oficiais cubanos sem entender muito bem por que. Ele entregou o passaporte e respondeu o interrogatório. Segundo meu professor, eles queriam averiguar se ele não estava ali espionando Fidel. Depois de passar por momentos assustadores nas mãos dos oficiais cubanos, que apesar de persuasivos, em momento nenhum usaram de força física contra meu professor. Foi permitido a ele voltar ao parque, quando o grande líder surgiu, para alvoroço da multidão. O povo entrou em alvoroço e meu amigo londrino estava lá vendo de perto, não só o lendário Fidel Castro, mas também o efeito de sua presença naquele povo que, aos seus olhos era tão sofrido. Meu professor, cansado de viver como os nativos da região, acabou procurando o primeiro restaurante turístico, comeu até tirar a barriga da miséria e depois arrumou as malas, tratando de encurtar a estadia no paraíso tropical!

Outra lembrança que a notícia da renuncia de Fidel trouxe, foi de quando eu tinha 15 anos. Era domingo à noite e eu e meus pais estávamos tomando caldo no falecido restaurante Tamelu. O Tamelu era ponto de parada obrigatório nos domingos à noite pra mim e para o meu pai. Meu irmão detestava caldo e minha mãe geralmente achava Teresina demasiadamente quente para a iguaria. Aquela noite era menos quente que o de costume, por isso minha mãe resolveu nos acompanhar. Meu pai, como sempre, degustava seu caldo de carne, minha mãe, como boa mineira, uma canja de galinha e eu me aventurava com um caldo de ostras. Meu pai espichou o olhou pra ver meu prato, franziu a sobrancelha e abriu as narinas formando sua característica cara de nojo: “Laura e suas excentricidades!” Foi logo ai que eu resolvi expor mais uma das excentricidades de Laurinha. Eu havia pensado tudo antes. Disse para os meus pais que queria estudar cinema. Ninguém se opôs a princípio. Eu continuei dizendo que o curso de cinema de Cuba era muito bom. Nesse momento eu vi o caldo de carne e canja de galinha entalando meus pais. A resposta do meu pai veio assim que ele conseguiu engolir o caldo: “De jeito nenhum!” Eu argumentei, disse que a escola de cinema de Cuba era muito boa, que viver em Cuba era barato, sendo assim seria fácil que meus pais me ajudassem a me sustentar: “Não é barato viver lá pai?” Meu pai concordou dizendo que se me mandasse cem reais por mês, no fim do meu curso eu poderia comprar a ilha inteira, mas nem por isso me mandaria para lá. “Vai para Nova Iorque se quiser”, disse ele. Nessa hora minha mãe entalou pela segunda vez: “Aonde já se viu mandar uma menina dessa idade para morar numa cidade daquela sozinha?” Eu completei dizendo que Nova Iorque era muito caro e que lá eles não iam ter como pagar minhas despesas. Meu pai não se fez de rogado e disse: “Dá sim, você lava uns pratos e a gente manda o resto do dinheiro que faltar.” Minha mãe, que sabia que eu não ia pensar duas vezes antes de aceitar a proposta de lavadoras de pratos em NYC, tratou de dizer que eu não ia. Aquilo não me incomodou, por que eu queria mesmo era ir para Cuba. Eu insisti com meu pai e perguntei por que eu não podia ir. A resposta me fez rir: “O Fidel Castro tá pra morrer!” Eu não achava que isso aconteceria antes que eu estivesse formada e de volta ao Brasil, mas também não entendia o que a morte do homem teria a ver com meus estudos. A previsão do meu pai era de que quando ele morresse, Cuba viraria o “bordel do mundo” e que o último lugar que ele gostaria que a filha estivesse era nesse “bordel”. Eu relutei dizendo que achava que ele durava mais de quatro anos! Foi em vão...

Outra coisa que passou pela minha cabeça naquele pouco tempo, foi a música cubana. Um lugar tão peculiar não teria trilha sonora divergente. Buena Vista Social Club, ai, ai... Quando eu morava no Rio de Janeiro, o glorioso Ibraim Ferrer passou em turnê no Canecão. Eu não fui por que não tinha cinqüenta reais! Pouco mais de um ano depois Ibraim falecera. Eu gastei bem mais do que cinqüenta reais bebendo para esquecer que eu tinha perdido a última chance de vê-lo ao vivo.

A última coisa de que o incidente político cubano me lembrou, foi que se eu tivesse ido pra Cuba, hoje, onze anos depois, eu teria formado, feito mestrado e doutorado, e olha que era só a renuncia, não era nem a morte!

Eu vou por aqui com a minha baixa escolaridade, acompanhando as notícias daquela ilhazinha, que sozinha, resistindo ao capitalismo e a globalização, sempre causou tanta influencia no resto do mundo!

Desperate House wife in Boston


Depois de muitas tentativas frustradas de visitar minha amiga em Boston, finalmente eu arranjei um tempinho. Eu descobri, por acaso, que eu tinha um dia de folga. Liguei para minha amiga que adorou a idéia e eu tratei de arrumar as malas.

Minha amiga se mudou para Boston quando eu ainda morava em Belo Horizonte. Boston é relativamente perto de NYC. Ônibus saem de hora em hora do Bairro Chinês de NYC para o Bairro Chinês de Boston e a passagem não custa geralmente mais que trinta dólares para ir e voltar. Com tantas facilidades no translado entre as duas cidades, era de se esperar que eu e minha amiga nos encontrássemos com alguma freqüência, mas claro que isso não acontecia! Já fazia mais de um ano da última vez que a gente tinha se visto. Ela foi uma vez a NYC e eu, uma vez a Boston. Ela tinha acabado de me chamar para madrinha do seu casamento. Depois de um bom tempo namorando, ela e o namorado resolveram se casar no civil, para que ela pudesse regularizar a sua situação com a imigração, e marcaram a data da festa para o ano seguinte. Os dois compraram uma casa e estavam reformando, eu estava indo conhecer a nova residência do casal.

Sai do trabalho na mesma hora de sempre: mais tarde do que deveria! Carregando meu computador, uma malinha de mão e minha bolsa, sai dos Estúdios Kaufmans em Astória, no Queens. Kaufmans é um lugar fácil de se perder, não só pelo tamanho e pela confusão dos corredores, mas pela história do local impressa nas paredes. Kaufmans foi o primeiro estúdio em Nova Iorque. Cada corredor era uma aula de história de cinema: I love Lucy, Vila Cézamo, A primeira noite de um homem... mas aquela noite eu tinha que me concentrar, eu não tinha tempo para ficar passeando pelos estúdios. Peguei o metro e sai no Bairro Chinês, Chinatown. A chuva que caia era torrencial. Corri para um dos pontos de ônibus do Bairro Chinês, mas quando eu cheguei o ônibus das nove da noite acabara de sair. Eu tinha que esperar uma hora pelo próximo ônibus, o que não seria um problema se não fosse a chuva. Fui à farmácia, passei pele corredor das guloseimas (light claro) e me abasteci para a viajem.

Depois que eu estava completamente encharcada e carregando ainda mais peso o ônibus chegou. Entrei no ônibus, escolhi a trilha sonora e devorei dois pacotes de salgadinhos de soja light. Dormi e acordei umas quinhentas vezes e quando eu vi, já estava em Boston. Eram duas horas da manhã quando eu desembarquei e as figurinhas que estavam na rodoviária eram no mínimo assustadoras. Eu liguei para a minha amiga a procura de resgate. Ela atendeu o telefone e me disse que estava a caminho, mas estava meio perdida, por isso podia demorar um pouco. Eu vaguei por todos os cantos da rodoviária procurando um lugar menos intimidante, mas depois de uma hora, todos os lugares tiveram tempo para se corromperem.

Finalmente minha amiga chegou! Tonta de tanto dar voltas perambulando na madrugada. Chegamos à casa dela, e que casa! Eu quase caio para trás, era uma casa de pais. Era o tipo de casa que os pais dos meus amigos tinham. Pais de família. A minha amiga estava se preparando para isso. Ela passaria os próximos anos pagando por aquilo. Lá estava aquela pequenina, minha colega de classe, comprando uma casa de quatro quartos, virando gente grande. Senti-me absolutamente imatura. Era um misto de inveja e apavoramento. Será que eu era assim tão imatura para ficar assombrada com uma casa de quatro quartos*

Passamos algumas horas colocando a fococa em dia e falando da reforma da casa. Antes que amanhecesse, nós fomos deitar. Eu não conseguia dormir, ficava olhando para o quarto de hóspedes onde eu dormia. Lembrei de quando ela havia ido me visitar em NYC e tudo que eu tinha, era um colchão inflável para ela. Eu ainda recebia minhas visitas como quando eu estava na faculdade. Imaginei-me com trinta anos de idade morando em um quarto de sete metros quadrados... Era o preço a pagar por NYC, por ser obcecada por minha carreira...

Acordei com um barulho que vinha da cozinha. Chamei por minha amiga e ela pôs a cabeça para fora do recinto. Ela preparava café da manhã. Tanto tempo vivendo naquele país, esqueci como era uma mesa de café da manhã. Pão, iogurte, manteiga, queijo, granola, café e, só para humilhar, wafles. Eu ri, tive que rir. Minha amiga é tão pequenina que pediu minha ajuda para alcançar os copos dentro do armário, mas tinha arrumado aquele café gigantesco. O seu comsorte acordara às cinco da manhã e estava terminando a pintura de uma janela. Ele veio se sentar assim que as wafles estavam prontas. Ele sentou e perguntou se elas tinham sido feitas da maneira “especial” de minha amiga. Ela me explicou que a maneira especial, era wafles queimadas. Os dois ficaram horas rindo e me contando das desventuras culinárias de minha amiga. Eu fiquei feliz por ela, os dois conseguiam se divertir no café da manhã, falando de wafles! Se aquilo não era cumplicidade, eu não sei o que seria. A luz da manhã, eu pude ver outra coisa surreal além de wafles: um quintal!

Enquanto eu me recuperava da inveja de ver alguém da minha idade com um quintal, eu fui me arrumar para um compromisso social. Era aniversário da sobrinha da minha amiga e ela tinha combinado de fazer a decoração da festa de um ano da garotinha. Nós encontramos com uma amiga de minha amiga, especialista em decoração de balões, que nos ajudaria. A garota vivia ilegalmente há oito anos em Boston, era casada com um brasileiro e tinha um filhinho. Passamos para buscá-la. Em alguns segundos a conversa se transformou em uma linguagem alienígena para mim. Elas falavam de mecânicos, de marcas de carros, de preços de combustível, de troca de pneus...quando a conversa mudou de rumo, foi a terras ainda mais desconhecidas: crianças! Era a garota falando do filho, minha amiga da sobrinha e de seus alunos (minha amiga era professora de teatro de crianças). Eu tratei de rir e continuar a balançar a cabeça.

Chegamos à casa da sobrinha de minha amiga e finalmente eu conheci a princesinha. Ela era bem pequenininha. Um ano atrás, ela tinha nascido prematuramente junto a sua irmã gêmea, que infelizmente, não resistiu. O aniversário dela era uma conquista, minha amiga estava muito emocionada, pois tinha visto a garotinha durante meses em uma incubadora. Eu fiquei brincado com ela por alguns minutos enquanto as garotas reorganizavam a mobília da sala. Foi pouco tempo, mas o suficiente para mostrar minha inabilidade com crianças.

Finalmente fomos encher os balões. Eu tentava vasculhar meu cérebro com algum assunto que eu pudesse conversar com a amiga de minha amiga, mas nada me ocorria, e enquanto isso eu ia ouvindo que o filho dela não gostava de banana. Desisti me concentrei nos balões e resolvi esperar um momento que eu e minha amiga estivéssemos sós para conversar. Eu enchia balões e ela ia falando do carro, do marido, do filho, e dos dez milhões de coisas que ela não podia fazer com a vida dela. De repente minha inveja de uma casa de quatro quartos, quintal e carro na garagem começaram a desbotar. Aquilo era maturidade de mais para mim. A coisa se inverteu completamente quando a garota descobriu que eu vivia em NYC. Começou a dizer como gostaria de assistir uma peça da Broadway e outras coisas. Ela falava de tudo como se fosse algo impossível, ela só estava a trinta dólares e quatro horas de NYC, mas a um filho, um marido e um emprego de distância.

Aquilo tudo começou a revirar meu estômago. Olhava para a vida daquela garota e tinha vontade de chorar, eu olhava para a minha e queria fazer o mesmo! Onde diabos escondia-se a felicidade e o contentamento da vida* Aquele foi o aniversário de criança mais estranho e tudo por culpa da mente perturbada. De repente a felicidade da casa de cerca branca que eu nunca quis caiu diante de mim. E agora, o que e usaria de desculpa para os meus momentos de infelicidade* Eu não tinha mais a formação de família e a segurança de vínculos para desejar nos momentos de fraquezas! Era algo que eu sempre soube que não era para mim, mas que sempre esteve lá como uma possibilidade, em caso tudo mais desse errado, mas agora eu tinha estragado tudo. Tinha chegado perto de mais da realidade alheia, e acabei vendo além da cerca branca!

sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Tudo indo esgoto a baixo! E a comunicação? Zero!











A minha confusão mental não podia ser maior! Agora eu tinha dois homens bonzinhos fazendo absolutamente tudo para me agradar. Isso pode parecer bom, mas como o diz o ditado: Quando a esmola é muita, o santo desconfia. Não que eu fosse uma santa, mas eu estava duplamente desconfiada. De um lado, o Sem Face sendo, desde o princípio, assustadoramente carinhoso, mas mais mole que ostra fresca; do outro, o Ex-nanorido com sua mudança exagerada de pós-revelação. Ai que vontade de dormir!!!!

Eu tinha tentado me distanciar um pouco dos dois, mas não completamente. Eu andava um pouco doente e tive que ir ao médico. Aproveitei a oportunidade para pensar. Nessa época eu estava terminando o trabalho para a HBO, estava correndo contra o tempo para mandar todas as roupas alugadas de volta para Los Angeles. Eram pilhas e pilhas de uniformes da marinha, exército e aeronáutica, todos decorados com broches, medalhas, símbolos de patente e uma infinidade de outros detalhes, cada um listado por seu nome técnico. Eram folhas e folhas de listas que formavam um livro e das duas pessoas que ainda trabalhavam comigo nesse ponto do filme, a única que era qualificado para fazer isso, estava ocupado com o livro de continuidade. Eram caixas e mais caixas cheias de brochinhos, todos misturados, outra coisa que me dava vontade de dormir! Com tanto trabalho para fazer em tão pouco tempo, eu não podia me dar ao luxo de ficar pensando na morte da bezerra, enquanto trabalhava tinha que estar 100% concentrada.

Depois de muito pensar, resolvi que eu queria era paz. Do Ex-namorido, eu não tinha como me afastar, uma vez que a gente tinha que permanecer casados pelo menos mais uns três anos. Ele já tinha deixado claro também que não tinha maturidade para continuar meu amigo depois de separado. Por mais que me doesse o coração, eu teria que me afastar do Sem Face, para o bem da minha sanidade mental! O problema é que se tem algo que eu não sei fazer é terminar relacionamentos. Sou um desastre, eu prefiro a morte por enforcamento a ter que olhar no olho de alguém e dizer: “Foi muito bom te conhecer, mas não dá mais. Boa vida pra você!” Ah! Só de pensar, meu estomago se revirava todo. Naquela manhã eu estava extremamente mal humorada. Por causa de um péssimo planejamento da produção do filme, nós tivemos que mudar de espaço físico pelo último mês de trabalho, era um trabalho extra totalmente desnecessário que só estava acontecendo por incompetência da produtora. Quando eu cheguei à frente do novo local, abri a porta do caminhão e na hora de descer, ouvi que algo caíra de dentro da minha bolsa. Quando eu olhei para o chão, era meu celular, boiando no esgoto! Eu dava gritinhos de nojo e desespero enquanto tirava, com o pé, todos os meus contatos profissionais do esgoto. O motorista me ofereceu um lenço de papel. O celular ainda se estribuchou por algumas horas antes de morrer. Mandei um e-mail a todos que poderiam estar interessados em saber que eu não estaria com meu celular por alguns dias.

Era sexta-feira quando isso aconteceu, mas é claro que algo desse tipo não aconteceria em uma sexta-feira qualquer. Aquele fim de semana era o aniversário do Ex-namorido, que havia reclamado o mês todo sobre como nenhum de seus amigos estaria em NYC para o evento. Eu mandei um e-mail para ele e, assim que cheguei em casa, nos falamos via Skype. O meu celular faz parte de um “plano família” com ele, por isso, eu achei que ele teria que ir comigo a loja resolver o caso do óbito do meu aparelho. O motivo pelo qual os amigos do Ex-namorido não estariam na cidade era um feriado na segunda-feira. No sábado o Ex-bofe foi comigo a loja de celulares, eu fingi de doida e me mostrei muito surpresa quando eles disseram que algo úmido talvez houvesse entrado em contato com o celular. Como o aparelho tinha poucos meses e eu tinha assinado um plano de dois anos, o vendedor pediu que eu comprasse uma bateria nova, que ele me daria um celular novo, além disso, ele iriam também resgatar a minha agenda telefônica e transferi-la para o novo brinquedinho. O procedimento demoraria algumas horas, o acompanhante perguntou se eu não gostaria de dar uma volta. Nós estávamos no Soho, bairro famoso pela quantidade de lojas. Andamos nas lojas, almoçamos, conversamos fiado e voltamos para pegar meu celular. Quando eu ia embora, ele me pediu para ficar. Era aniversário dele e ninguém estava na cidade.

Nós assistimos um filme, voltamos para o seu apartamento e vimos mil episódios de Flight of the conchords, um dos meus seriados de tv preferidos. Ele não reclamou nem um minuto de estar vendo todo pela segunda vez. Abriu uma garrafa de vinho e eu caí no sono. Dormimos na mesma cama, cada um com a cabeça pra um lado. No domingo de manhã, eu acordei tomei banho e sobre os protestos de Ex- namorido, não fui embora. Fui à farmácia, comprei um desodorante, uma escova de dentes e uma calcinha nova. Tomei banho e vesti uma camiseta dele. Fomos ao Brunch. Eu tentei pela milionésima vez ir a um lugar chamado Clinton Bakery, mas a fila a espera por uma mesa dava a volta no quarteirão, como sempre. Era aniversário do Ex-namorido, então eu pensei que o jeito ia ser comer comida mexicana o dia todo. Brunch mexicano, planos de jantar mexicano. Eu fiz a gentileza de pagar pelo jantar já que era o aniversário do rapaz que, por sua vez, se dizia não merecedor de tanta bondade. Eu tive que concordar com ele, mas paguei o jantar mesmo assim. A noite de domingo imitou a de sábado.

Eu cheguei em casa na segunda a tarde e um sentimento estranho me tomou. Nada tinha acontecido entre nós dois, e mesmo eu tendo deixado claro para o Sem face que eu não estava em condições de nada sério, eu me senti mal pelo pobre coitado, pois depois do e-mail de sexta-feira, eu não tinha dado mais notícias. Liguei e deixei uma mensagem na caixa postal dizendo que o meu celular estava concertado e que se ele quisesse, poderia me ligar.

A semana passou rápido principalmente consumida pelo trabalho. Pensei que o fim de semana seguinte seria perfeito para ir a Boston. A última vez que eu cancelei minha ida, foi por causa do chilique pré-revelação do Ex-namorido. Liguei para a minha amiga, que adorou a idéia.

Durante toda a semana o Ex-“com sorte” ligou e falou comigo. Eu falei que ia a Boston, ele me ajudou a buscar umas coisas no trabalho e levar pra o meu apartamento. Enquanto isso, eu não ouvia uma palavra se quer do Sem face. Eu imaginei que ele tivesse me visto andando com o Ex durante o fim de semana que eu sumi. Senti-me mal por ele, mas no fundo eu adorei não ter que terminar nada. Tudo ia tão bem, que eu estava esquecendo a bagunça que minha vida tinha sido a à pouco tempo atrás. Eu e o Ex estávamos em relação civilizada, o Sem face sumiu por vontade própria sem dor para mim e, finalmente, eu teria tempo de visitar minha amiga.

Na quinta à noite, minha amiga me liga. Estava morrendo de vergonha, mas tinha uma proposta de trabalho para o fim de semana e não podia recusar. Eu disse que não se incomodasse que eu iria outra hora. Logo depois, meu telefone tocou de novo, era o Ex. Eu disse que ficaria em NYC par o fim de semana e ele agiu estranhamente. Me disse que na sexta-feira, “os caras” levariam ele pra jantar para celebrar o aniversário e depois eles sairiam. Considerei o termo “os caras,” como um sinal de que seria uma noite de homens e que eu não seria bem vinda. Não liguei à mínima.

Sexta à noite, eu estava em casa e depois de trabalhar um pouco no início da noite, eu e lancei aos braços de Morpheu, deus dos sonhos. Às duas da manhã, meu celular apita, era uma mensagem do Ex-namorido: “Noite muito estranha!” dizia a mensagem, achei melhor ligar. Pelo barulho, ele já estava em um bar e pela voz, ele já estava bêbado. Ele falou umas besteiras sobre o jantar e eu conversei um fiado, mas achando aquele papo muito fiado. Foi quando ele perguntou: “Você leu meu e-mail?” eu perguntei se era o e-mail sobre o zoológico, ele disse que não: “O da minha festa!” Eu fiquei comendo mosca... “Eu estou fazendo minha festa de aniversário hoje, no Orchard Bar, todo mundo está aqui!” Eu não sei como descrever a sensação de raiva tomando conta do meu corpo. “Um e-mail?” – perguntei. “Você me viu todo dia essa semana, falou comigo todos os dias e me convidou para seu aniversário por e-mail?” Entrei na minha caixa de mensagens para encontrar o bendito. Nem um e-mail normal era, era um link que levava a um site de convites de aniversário, coisa comum lá. Eu tinha aberto o e-mail, mas não tinha entrado no link achando que era spam. Eu falei por alguns minutos, absolutamente dominada pelo ódio, de como ele era idiota e sempre arranjava um jeito de estragar as coisas quando tudo ia bem. Ele justificou dizendo que tinha ficado com raiva de eu ter marcado a ida a Boston no fim de semana da sua festa, mas que s duas da manhã do sábado, no meio d festa, ele concluiu que talvez, eu não tivesse feito aquilo de propósito, e sim por não ter visto o e-mail. Eu, educadamente, mandei que ele fosse fazer uma visita a Lúcifer.

Orchard Bar era um dos meus bares favoritos. Havia ficado fechado por um tempo. Algumas semanas antes daquele dia, eu descobri que ele estava funcionando novamente e avisei o Ex-namorido. Ele marcou a sua festa no meu bar favorito, arrumou um jeito de eu não ir e de se fazer de coitado, só para arranjar confusão. Aquilo era crime premeditado, e a pena para aquilo devia ser apedrejamento em praça pública. A minha raiva não cabia em mim. Era sempre assim, ele dava um jeito, arrumava um motivo para ficar com raiva de mim sem eu nem saber o que se passava. Eu estava de saco cheio. Na briga da noite anterior eu tinha dito que se ele ia continuar a inventar desculpas para ficar com raiva de mim, era melhor eu começar a fazer o mal, se era para alguém ficar com raiva de mim, melhor que fosse com motivo.

Sábado eu acordei e olhei meus e-mails. O Sem face avia ressurgido! Era um e-mail da sexta-feira à noite perguntando se eu estava viva e se meu telefone estava funcionando. Tentei ligar, mas caiu na caixa postal, e deixei outro recado.

Meu telefone tocou ao meio dia. Essa era a hora que ele saia da terapia todo sábado de manhã. Atendi sem o menor bom humor: “Que é?” Ele pediu desculpas. Pela milionésima vez. Usou uns termos de psicologia para justificar a burrada e disse que eu estava certa, que ele inconscientemente estava arranjando sarna para coçar! Pediu paciência e disse que estava tentando melhorar. Eu desculpei, por que para quem já tinha desculpado 999999 vezes, uma a mais, não faria diferença, mas estava claro que o jogo que eu estava jogando, estava longe de ser justo comigo! Ele perguntou se eu queria encontrá-lo, eu disse que não.

No meio da tarde, naquele mesmo dia, eu recebi uma mensagem do Sem Face, queria saber o que eu ia fazer. Eu até uso mensagens, mas quando eu não posso falar. Então eu liguei de novo, e mais uma vez ele não atendeu. Resolvi que se ele quisesse falar comigo ia ter que parar de teclar e abrir a boca! Deixei mais uma mensagem dizendo que se quisesse falar comigo que me ligasse. No domingo, mas uma mensagem de texto, essa foi a sua cerimônia de enterro. Ali, naquela mensagem, na prova da incapacidade masculina de comunicação verbal, eu enterrei o Sem Face. Uma coisa era agüentar o Ex-namorido me convidado para um aniversário via e-mail, por que ele, eu era obrigada a agüentar, mas o Sem Face não tinha desculpa.

Obs:
Talvez seja maldade minha culpar os meninos por completa estupidez na questão da comunicação, afinal de contas a ciência explica. Em quantos os homens usam apenas um hemisfério do cérebro para se comunicarem, nas mulheres, observa-se atividade cerebral em ambos os hemisférios durante a comunicação verbal. Fisiológica ou não, a questão é que na era das comunicações e da globalização, se os homens não tratarem de correr atrás do prejuízo e se reciclarem, ele vão acabar virando material obsoleto!