sexta-feira, março 21, 2008

Fidelíssimo


Fidel Castro renuncia o poder! Eu ouvi a notícia no jornal e... “Uau!” eu vi a expressão de admiração ser proferida por mim mesma quase que instantaneamente. Fidel era para mim como o Fantasma, o personagem de quadrinhos. Eu achava que ele ia morrendo e um sósia ia substituindo o ícone sem que ninguém percebesse. Isso explicaria tanto tempo de governo, e toda a lenda criada em torno do personagem.

Já faz um tempo que eu não ouço uma notícia que fazia minha cabeça ir a tantos lugares em tão pouco tempo. Em pouquíssimos segundos eu lembrei de tantas coisas! A primeira delas foi de um dos meus professores. Ele era de Londres e trabalhava no Rio como professor de inglês, mas antes de morar na cidade maravilhosa ele passou uma temporada em Cuba. Ele, que era um homem altíssimo e muito forte, me contou como virou um palito de magro depois de passar um mês tentando viver como os cubanos. Ele me contou que, durante o seu regime cubano, ele teve a oportunidade de ver Fidel. Ouvindo rumores de que o grande líder comunista faria uma aparição pública, meu mestre resolveu descobrir onde aquilo ocorreria. Perguntando aos moradores de Havana se os rumores eram verdadeiros e onde aquilo ocorreria, ele não encontrou resposta. Todos diziam não saber de nada. Meu mestre continuou de olhos e ouvidos abertos e não pensou duas vezes quando percebeu muitas pessoas se dirigindo a um mesmo local. Seguindo os moradores do local, ele se deparou com um parque absolutamente cheio de gente. Ele me disse que achava que toda a cidade estava lá. Ele perguntou a algumas pessoas se estavam ali pra ver Fidel Castro, ninguém respondeu que sim ou que não. Em poucos minutos que meu professor estava no local, ele foi inesperadamente abordado por oficiais. Tirado rapidamente do local, ele se viu sendo interrogado pelos oficiais cubanos sem entender muito bem por que. Ele entregou o passaporte e respondeu o interrogatório. Segundo meu professor, eles queriam averiguar se ele não estava ali espionando Fidel. Depois de passar por momentos assustadores nas mãos dos oficiais cubanos, que apesar de persuasivos, em momento nenhum usaram de força física contra meu professor. Foi permitido a ele voltar ao parque, quando o grande líder surgiu, para alvoroço da multidão. O povo entrou em alvoroço e meu amigo londrino estava lá vendo de perto, não só o lendário Fidel Castro, mas também o efeito de sua presença naquele povo que, aos seus olhos era tão sofrido. Meu professor, cansado de viver como os nativos da região, acabou procurando o primeiro restaurante turístico, comeu até tirar a barriga da miséria e depois arrumou as malas, tratando de encurtar a estadia no paraíso tropical!

Outra lembrança que a notícia da renuncia de Fidel trouxe, foi de quando eu tinha 15 anos. Era domingo à noite e eu e meus pais estávamos tomando caldo no falecido restaurante Tamelu. O Tamelu era ponto de parada obrigatório nos domingos à noite pra mim e para o meu pai. Meu irmão detestava caldo e minha mãe geralmente achava Teresina demasiadamente quente para a iguaria. Aquela noite era menos quente que o de costume, por isso minha mãe resolveu nos acompanhar. Meu pai, como sempre, degustava seu caldo de carne, minha mãe, como boa mineira, uma canja de galinha e eu me aventurava com um caldo de ostras. Meu pai espichou o olhou pra ver meu prato, franziu a sobrancelha e abriu as narinas formando sua característica cara de nojo: “Laura e suas excentricidades!” Foi logo ai que eu resolvi expor mais uma das excentricidades de Laurinha. Eu havia pensado tudo antes. Disse para os meus pais que queria estudar cinema. Ninguém se opôs a princípio. Eu continuei dizendo que o curso de cinema de Cuba era muito bom. Nesse momento eu vi o caldo de carne e canja de galinha entalando meus pais. A resposta do meu pai veio assim que ele conseguiu engolir o caldo: “De jeito nenhum!” Eu argumentei, disse que a escola de cinema de Cuba era muito boa, que viver em Cuba era barato, sendo assim seria fácil que meus pais me ajudassem a me sustentar: “Não é barato viver lá pai?” Meu pai concordou dizendo que se me mandasse cem reais por mês, no fim do meu curso eu poderia comprar a ilha inteira, mas nem por isso me mandaria para lá. “Vai para Nova Iorque se quiser”, disse ele. Nessa hora minha mãe entalou pela segunda vez: “Aonde já se viu mandar uma menina dessa idade para morar numa cidade daquela sozinha?” Eu completei dizendo que Nova Iorque era muito caro e que lá eles não iam ter como pagar minhas despesas. Meu pai não se fez de rogado e disse: “Dá sim, você lava uns pratos e a gente manda o resto do dinheiro que faltar.” Minha mãe, que sabia que eu não ia pensar duas vezes antes de aceitar a proposta de lavadoras de pratos em NYC, tratou de dizer que eu não ia. Aquilo não me incomodou, por que eu queria mesmo era ir para Cuba. Eu insisti com meu pai e perguntei por que eu não podia ir. A resposta me fez rir: “O Fidel Castro tá pra morrer!” Eu não achava que isso aconteceria antes que eu estivesse formada e de volta ao Brasil, mas também não entendia o que a morte do homem teria a ver com meus estudos. A previsão do meu pai era de que quando ele morresse, Cuba viraria o “bordel do mundo” e que o último lugar que ele gostaria que a filha estivesse era nesse “bordel”. Eu relutei dizendo que achava que ele durava mais de quatro anos! Foi em vão...

Outra coisa que passou pela minha cabeça naquele pouco tempo, foi a música cubana. Um lugar tão peculiar não teria trilha sonora divergente. Buena Vista Social Club, ai, ai... Quando eu morava no Rio de Janeiro, o glorioso Ibraim Ferrer passou em turnê no Canecão. Eu não fui por que não tinha cinqüenta reais! Pouco mais de um ano depois Ibraim falecera. Eu gastei bem mais do que cinqüenta reais bebendo para esquecer que eu tinha perdido a última chance de vê-lo ao vivo.

A última coisa de que o incidente político cubano me lembrou, foi que se eu tivesse ido pra Cuba, hoje, onze anos depois, eu teria formado, feito mestrado e doutorado, e olha que era só a renuncia, não era nem a morte!

Eu vou por aqui com a minha baixa escolaridade, acompanhando as notícias daquela ilhazinha, que sozinha, resistindo ao capitalismo e a globalização, sempre causou tanta influencia no resto do mundo!

Um comentário:

Anônimo disse...

Loreta!!!

Ambos os posts (os 2 últimos) ficaram excelentes! Sua capacidade de transcrever os fatos cotidianos tem melhorado a cada publicação. Fico feliz que vc tenha aceitado a minha humilde sugestão de criar um blog, pois caso contrário, nós estaríamos privados de nos divertir com suas peripécias, e vc, de exercitar-se em sua língua natal com tanta propriedade. Parabéns e não deixe o hobby da escrita de lado. Penso que será um ótimo modo de ganhar a vida um dia.

Beijo da prima que pensa em vê-la pessoalmente o mais breve possível.