Depois de muitas tentativas frustradas de visitar minha amiga em Boston, finalmente eu arranjei um tempinho. Eu descobri, por acaso, que eu tinha um dia de folga. Liguei para minha amiga que adorou a idéia e eu tratei de arrumar as malas.
Minha amiga se mudou para Boston quando eu ainda morava em Belo Horizonte. Boston é relativamente perto de NYC. Ônibus saem de hora em hora do Bairro Chinês de NYC para o Bairro Chinês de Boston e a passagem não custa geralmente mais que trinta dólares para ir e voltar. Com tantas facilidades no translado entre as duas cidades, era de se esperar que eu e minha amiga nos encontrássemos com alguma freqüência, mas claro que isso não acontecia! Já fazia mais de um ano da última vez que a gente tinha se visto. Ela foi uma vez a NYC e eu, uma vez a Boston. Ela tinha acabado de me chamar para madrinha do seu casamento. Depois de um bom tempo namorando, ela e o namorado resolveram se casar no civil, para que ela pudesse regularizar a sua situação com a imigração, e marcaram a data da festa para o ano seguinte. Os dois compraram uma casa e estavam reformando, eu estava indo conhecer a nova residência do casal.
Sai do trabalho na mesma hora de sempre: mais tarde do que deveria! Carregando meu computador, uma malinha de mão e minha bolsa, sai dos Estúdios Kaufmans em Astória, no Queens. Kaufmans é um lugar fácil de se perder, não só pelo tamanho e pela confusão dos corredores, mas pela história do local impressa nas paredes. Kaufmans foi o primeiro estúdio em Nova Iorque. Cada corredor era uma aula de história de cinema: I love Lucy, Vila Cézamo, A primeira noite de um homem... mas aquela noite eu tinha que me concentrar, eu não tinha tempo para ficar passeando pelos estúdios. Peguei o metro e sai no Bairro Chinês, Chinatown. A chuva que caia era torrencial. Corri para um dos pontos de ônibus do Bairro Chinês, mas quando eu cheguei o ônibus das nove da noite acabara de sair. Eu tinha que esperar uma hora pelo próximo ônibus, o que não seria um problema se não fosse a chuva. Fui à farmácia, passei pele corredor das guloseimas (light claro) e me abasteci para a viajem.
Depois que eu estava completamente encharcada e carregando ainda mais peso o ônibus chegou. Entrei no ônibus, escolhi a trilha sonora e devorei dois pacotes de salgadinhos de soja light. Dormi e acordei umas quinhentas vezes e quando eu vi, já estava em Boston. Eram duas horas da manhã quando eu desembarquei e as figurinhas que estavam na rodoviária eram no mínimo assustadoras. Eu liguei para a minha amiga a procura de resgate. Ela atendeu o telefone e me disse que estava a caminho, mas estava meio perdida, por isso podia demorar um pouco. Eu vaguei por todos os cantos da rodoviária procurando um lugar menos intimidante, mas depois de uma hora, todos os lugares tiveram tempo para se corromperem.
Finalmente minha amiga chegou! Tonta de tanto dar voltas perambulando na madrugada. Chegamos à casa dela, e que casa! Eu quase caio para trás, era uma casa de pais. Era o tipo de casa que os pais dos meus amigos tinham. Pais de família. A minha amiga estava se preparando para isso. Ela passaria os próximos anos pagando por aquilo. Lá estava aquela pequenina, minha colega de classe, comprando uma casa de quatro quartos, virando gente grande. Senti-me absolutamente imatura. Era um misto de inveja e apavoramento. Será que eu era assim tão imatura para ficar assombrada com uma casa de quatro quartos*
Passamos algumas horas colocando a fococa em dia e falando da reforma da casa. Antes que amanhecesse, nós fomos deitar. Eu não conseguia dormir, ficava olhando para o quarto de hóspedes onde eu dormia. Lembrei de quando ela havia ido me visitar em NYC e tudo que eu tinha, era um colchão inflável para ela. Eu ainda recebia minhas visitas como quando eu estava na faculdade. Imaginei-me com trinta anos de idade morando em um quarto de sete metros quadrados... Era o preço a pagar por NYC, por ser obcecada por minha carreira...
Acordei com um barulho que vinha da cozinha. Chamei por minha amiga e ela pôs a cabeça para fora do recinto. Ela preparava café da manhã. Tanto tempo vivendo naquele país, esqueci como era uma mesa de café da manhã. Pão, iogurte, manteiga, queijo, granola, café e, só para humilhar, wafles. Eu ri, tive que rir. Minha amiga é tão pequenina que pediu minha ajuda para alcançar os copos dentro do armário, mas tinha arrumado aquele café gigantesco. O seu comsorte acordara às cinco da manhã e estava terminando a pintura de uma janela. Ele veio se sentar assim que as wafles estavam prontas. Ele sentou e perguntou se elas tinham sido feitas da maneira “especial” de minha amiga. Ela me explicou que a maneira especial, era wafles queimadas. Os dois ficaram horas rindo e me contando das desventuras culinárias de minha amiga. Eu fiquei feliz por ela, os dois conseguiam se divertir no café da manhã, falando de wafles! Se aquilo não era cumplicidade, eu não sei o que seria. A luz da manhã, eu pude ver outra coisa surreal além de wafles: um quintal!
Enquanto eu me recuperava da inveja de ver alguém da minha idade com um quintal, eu fui me arrumar para um compromisso social. Era aniversário da sobrinha da minha amiga e ela tinha combinado de fazer a decoração da festa de um ano da garotinha. Nós encontramos com uma amiga de minha amiga, especialista em decoração de balões, que nos ajudaria. A garota vivia ilegalmente há oito anos em Boston, era casada com um brasileiro e tinha um filhinho. Passamos para buscá-la. Em alguns segundos a conversa se transformou em uma linguagem alienígena para mim. Elas falavam de mecânicos, de marcas de carros, de preços de combustível, de troca de pneus...quando a conversa mudou de rumo, foi a terras ainda mais desconhecidas: crianças! Era a garota falando do filho, minha amiga da sobrinha e de seus alunos (minha amiga era professora de teatro de crianças). Eu tratei de rir e continuar a balançar a cabeça.
Chegamos à casa da sobrinha de minha amiga e finalmente eu conheci a princesinha. Ela era bem pequenininha. Um ano atrás, ela tinha nascido prematuramente junto a sua irmã gêmea, que infelizmente, não resistiu. O aniversário dela era uma conquista, minha amiga estava muito emocionada, pois tinha visto a garotinha durante meses em uma incubadora. Eu fiquei brincado com ela por alguns minutos enquanto as garotas reorganizavam a mobília da sala. Foi pouco tempo, mas o suficiente para mostrar minha inabilidade com crianças.
Finalmente fomos encher os balões. Eu tentava vasculhar meu cérebro com algum assunto que eu pudesse conversar com a amiga de minha amiga, mas nada me ocorria, e enquanto isso eu ia ouvindo que o filho dela não gostava de banana. Desisti me concentrei nos balões e resolvi esperar um momento que eu e minha amiga estivéssemos sós para conversar. Eu enchia balões e ela ia falando do carro, do marido, do filho, e dos dez milhões de coisas que ela não podia fazer com a vida dela. De repente minha inveja de uma casa de quatro quartos, quintal e carro na garagem começaram a desbotar. Aquilo era maturidade de mais para mim. A coisa se inverteu completamente quando a garota descobriu que eu vivia em NYC. Começou a dizer como gostaria de assistir uma peça da Broadway e outras coisas. Ela falava de tudo como se fosse algo impossível, ela só estava a trinta dólares e quatro horas de NYC, mas a um filho, um marido e um emprego de distância.
Aquilo tudo começou a revirar meu estômago. Olhava para a vida daquela garota e tinha vontade de chorar, eu olhava para a minha e queria fazer o mesmo! Onde diabos escondia-se a felicidade e o contentamento da vida* Aquele foi o aniversário de criança mais estranho e tudo por culpa da mente perturbada. De repente a felicidade da casa de cerca branca que eu nunca quis caiu diante de mim. E agora, o que e usaria de desculpa para os meus momentos de infelicidade* Eu não tinha mais a formação de família e a segurança de vínculos para desejar nos momentos de fraquezas! Era algo que eu sempre soube que não era para mim, mas que sempre esteve lá como uma possibilidade, em caso tudo mais desse errado, mas agora eu tinha estragado tudo. Tinha chegado perto de mais da realidade alheia, e acabei vendo além da cerca branca!
Minha amiga se mudou para Boston quando eu ainda morava em Belo Horizonte. Boston é relativamente perto de NYC. Ônibus saem de hora em hora do Bairro Chinês de NYC para o Bairro Chinês de Boston e a passagem não custa geralmente mais que trinta dólares para ir e voltar. Com tantas facilidades no translado entre as duas cidades, era de se esperar que eu e minha amiga nos encontrássemos com alguma freqüência, mas claro que isso não acontecia! Já fazia mais de um ano da última vez que a gente tinha se visto. Ela foi uma vez a NYC e eu, uma vez a Boston. Ela tinha acabado de me chamar para madrinha do seu casamento. Depois de um bom tempo namorando, ela e o namorado resolveram se casar no civil, para que ela pudesse regularizar a sua situação com a imigração, e marcaram a data da festa para o ano seguinte. Os dois compraram uma casa e estavam reformando, eu estava indo conhecer a nova residência do casal.
Sai do trabalho na mesma hora de sempre: mais tarde do que deveria! Carregando meu computador, uma malinha de mão e minha bolsa, sai dos Estúdios Kaufmans em Astória, no Queens. Kaufmans é um lugar fácil de se perder, não só pelo tamanho e pela confusão dos corredores, mas pela história do local impressa nas paredes. Kaufmans foi o primeiro estúdio em Nova Iorque. Cada corredor era uma aula de história de cinema: I love Lucy, Vila Cézamo, A primeira noite de um homem... mas aquela noite eu tinha que me concentrar, eu não tinha tempo para ficar passeando pelos estúdios. Peguei o metro e sai no Bairro Chinês, Chinatown. A chuva que caia era torrencial. Corri para um dos pontos de ônibus do Bairro Chinês, mas quando eu cheguei o ônibus das nove da noite acabara de sair. Eu tinha que esperar uma hora pelo próximo ônibus, o que não seria um problema se não fosse a chuva. Fui à farmácia, passei pele corredor das guloseimas (light claro) e me abasteci para a viajem.
Depois que eu estava completamente encharcada e carregando ainda mais peso o ônibus chegou. Entrei no ônibus, escolhi a trilha sonora e devorei dois pacotes de salgadinhos de soja light. Dormi e acordei umas quinhentas vezes e quando eu vi, já estava em Boston. Eram duas horas da manhã quando eu desembarquei e as figurinhas que estavam na rodoviária eram no mínimo assustadoras. Eu liguei para a minha amiga a procura de resgate. Ela atendeu o telefone e me disse que estava a caminho, mas estava meio perdida, por isso podia demorar um pouco. Eu vaguei por todos os cantos da rodoviária procurando um lugar menos intimidante, mas depois de uma hora, todos os lugares tiveram tempo para se corromperem.
Finalmente minha amiga chegou! Tonta de tanto dar voltas perambulando na madrugada. Chegamos à casa dela, e que casa! Eu quase caio para trás, era uma casa de pais. Era o tipo de casa que os pais dos meus amigos tinham. Pais de família. A minha amiga estava se preparando para isso. Ela passaria os próximos anos pagando por aquilo. Lá estava aquela pequenina, minha colega de classe, comprando uma casa de quatro quartos, virando gente grande. Senti-me absolutamente imatura. Era um misto de inveja e apavoramento. Será que eu era assim tão imatura para ficar assombrada com uma casa de quatro quartos*
Passamos algumas horas colocando a fococa em dia e falando da reforma da casa. Antes que amanhecesse, nós fomos deitar. Eu não conseguia dormir, ficava olhando para o quarto de hóspedes onde eu dormia. Lembrei de quando ela havia ido me visitar em NYC e tudo que eu tinha, era um colchão inflável para ela. Eu ainda recebia minhas visitas como quando eu estava na faculdade. Imaginei-me com trinta anos de idade morando em um quarto de sete metros quadrados... Era o preço a pagar por NYC, por ser obcecada por minha carreira...
Acordei com um barulho que vinha da cozinha. Chamei por minha amiga e ela pôs a cabeça para fora do recinto. Ela preparava café da manhã. Tanto tempo vivendo naquele país, esqueci como era uma mesa de café da manhã. Pão, iogurte, manteiga, queijo, granola, café e, só para humilhar, wafles. Eu ri, tive que rir. Minha amiga é tão pequenina que pediu minha ajuda para alcançar os copos dentro do armário, mas tinha arrumado aquele café gigantesco. O seu comsorte acordara às cinco da manhã e estava terminando a pintura de uma janela. Ele veio se sentar assim que as wafles estavam prontas. Ele sentou e perguntou se elas tinham sido feitas da maneira “especial” de minha amiga. Ela me explicou que a maneira especial, era wafles queimadas. Os dois ficaram horas rindo e me contando das desventuras culinárias de minha amiga. Eu fiquei feliz por ela, os dois conseguiam se divertir no café da manhã, falando de wafles! Se aquilo não era cumplicidade, eu não sei o que seria. A luz da manhã, eu pude ver outra coisa surreal além de wafles: um quintal!
Enquanto eu me recuperava da inveja de ver alguém da minha idade com um quintal, eu fui me arrumar para um compromisso social. Era aniversário da sobrinha da minha amiga e ela tinha combinado de fazer a decoração da festa de um ano da garotinha. Nós encontramos com uma amiga de minha amiga, especialista em decoração de balões, que nos ajudaria. A garota vivia ilegalmente há oito anos em Boston, era casada com um brasileiro e tinha um filhinho. Passamos para buscá-la. Em alguns segundos a conversa se transformou em uma linguagem alienígena para mim. Elas falavam de mecânicos, de marcas de carros, de preços de combustível, de troca de pneus...quando a conversa mudou de rumo, foi a terras ainda mais desconhecidas: crianças! Era a garota falando do filho, minha amiga da sobrinha e de seus alunos (minha amiga era professora de teatro de crianças). Eu tratei de rir e continuar a balançar a cabeça.
Chegamos à casa da sobrinha de minha amiga e finalmente eu conheci a princesinha. Ela era bem pequenininha. Um ano atrás, ela tinha nascido prematuramente junto a sua irmã gêmea, que infelizmente, não resistiu. O aniversário dela era uma conquista, minha amiga estava muito emocionada, pois tinha visto a garotinha durante meses em uma incubadora. Eu fiquei brincado com ela por alguns minutos enquanto as garotas reorganizavam a mobília da sala. Foi pouco tempo, mas o suficiente para mostrar minha inabilidade com crianças.
Finalmente fomos encher os balões. Eu tentava vasculhar meu cérebro com algum assunto que eu pudesse conversar com a amiga de minha amiga, mas nada me ocorria, e enquanto isso eu ia ouvindo que o filho dela não gostava de banana. Desisti me concentrei nos balões e resolvi esperar um momento que eu e minha amiga estivéssemos sós para conversar. Eu enchia balões e ela ia falando do carro, do marido, do filho, e dos dez milhões de coisas que ela não podia fazer com a vida dela. De repente minha inveja de uma casa de quatro quartos, quintal e carro na garagem começaram a desbotar. Aquilo era maturidade de mais para mim. A coisa se inverteu completamente quando a garota descobriu que eu vivia em NYC. Começou a dizer como gostaria de assistir uma peça da Broadway e outras coisas. Ela falava de tudo como se fosse algo impossível, ela só estava a trinta dólares e quatro horas de NYC, mas a um filho, um marido e um emprego de distância.
Aquilo tudo começou a revirar meu estômago. Olhava para a vida daquela garota e tinha vontade de chorar, eu olhava para a minha e queria fazer o mesmo! Onde diabos escondia-se a felicidade e o contentamento da vida* Aquele foi o aniversário de criança mais estranho e tudo por culpa da mente perturbada. De repente a felicidade da casa de cerca branca que eu nunca quis caiu diante de mim. E agora, o que e usaria de desculpa para os meus momentos de infelicidade* Eu não tinha mais a formação de família e a segurança de vínculos para desejar nos momentos de fraquezas! Era algo que eu sempre soube que não era para mim, mas que sempre esteve lá como uma possibilidade, em caso tudo mais desse errado, mas agora eu tinha estragado tudo. Tinha chegado perto de mais da realidade alheia, e acabei vendo além da cerca branca!
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