Igreja da Sé
Último dia! Depois de uma semana em Portugal já tinha esquecido da vida! Pra mim, a vida tinha virado beber vinho e comer bacalhau enquanto minha mãe e madrinha me explicavam o que diabos elas queriam dizer quando elas olhavam para um prédio e falavam: “A arquitetura portuguesa tem muita influência moura!”.
Acordamos cedo, mas como sempre a enrolação foi grande. Pegamos o bonde com várias velhinhas portuguesas. Não sei como uma cidade tão cheia de ladeiras é ao mesmo tempo tão cheia de velhinhos! Com ajuda das velhinhas achamos a Igreja da Sé que minha mãe e madrinha queriam muito conhecer. Enquanto elas andavam fotografando e conversando sobre o estilo românico do edifício, senti uma vontade incontrolável de me sentar nos bancos da igreja e olhar para o altar. Fiquei lá um bom tempo. Às vezes tenho umas crises de espiritualidade. Tenho verdadeira ojeriza a religião. Tenho amigos católicos, ortodoxos, judeus, muçulmanos e hindus, o que não quer dizer que eu simpatize com nada disso. Respeito, mas não simpatizo. Agora, tenho momentos em que queria acreditar em alguma coisa. Algo que tirasse de mim toda a responsabilidade sobre meu próprio destino, mas não consigo. Aí, quanto mais eu quero acreditar, menos eu acredito; o sentimento de abandono só reforça minha teoria de que religião é uma forma de aliviar certas carências e frustrações da vida humana. Agora, o marketing da igreja católica é foda... bom assim, nem o da Coca Cola! Depois de dois minutos que estava sentada, já sentia vontade de acreditar em Deus. As colunas, os vitrais, a luz indireta, tudo projetado para fazer você já se sentir fora do mundo real e ficar imaginando que beleza então deve ser o paraíso!
De vez em quando falo com o universo. Explico a ele minha incapacidade de acreditar em qualquer tipo de entidade superior. Pode ser o meu problema: delegar responsabilidade. Depois, me defendo dizendo que mesmo não acreditando em paraíso ou karma, sempre tento respeitar o próximo e viver minha vida de forma honesta, não por medo de ser divinamente punida e sim por que é, obviamente, o que todos deveriam fazer! Agora, se viver a vida de forma honesta, ser uma pessoa “boa” e tentar sempre, no limite de suas possibilidades, ajudar ao próximo não é suficiente e a tal entidade divina regente resolver me queimar no fogo do inferno por que eu sou uma descrente: a tal entidade divina é mais narcisa do que eu!
Fé, do latin Fides= fidelidade, por definição é a convicção de que algo seja verdade sem prova alguma, apenas por pura confiança! Aí, vem um monte de amigos tentar me converter dizendo que existem provas... minha resposta é simples: se tivesse prova, não era fé! Se tivesse prova, qualquer um podia acreditar. A Fé só é grande coisa exatamente por que se consiste em confiança pura e cega. Apesar disso, simpatizo com meus amigos que querem me converter, por que na cabeça deles eles estão me salvando, e considero isso um ato muito carinhoso, não me ofende. Minha mãe e madrinha vieram me resgatar da minha reflexão divina. Saí da Sé pensando que se tivesse nascido em outra época, ou até mesmo agora em uma família carola, eu provavelmente acreditaria em Deus.
Castelo de São Jorge
Existe uma história sobre o nome do castelo. Diz a lenda que durante a reconquista da Península Ibérica no período das cruzadas um cavaleiro se destacou por sua bravura na conquista do castelo. O bravo guerreiro sacrificou a própria vida se atirando no vão da porta do castelo impedindo que os mouros a fechassem. O ato de bravura possibilitou a invasão do castelo. Não, o nome do rapaz não era Jorge, mas como, por razões óbvias, a maioria dos cavaleiros das cruzadas eram devotos de São Jorge, ficou o nome do santo ao qual o mártir era devoto.
O Castelo tem vestígios arqueológicos datados como sendo pelo menos de VI a.C. Construído num dos pontos mais altos de Lisboa, o castelo oferece uma vista de 360 graus da cidade. Em algumas partes das apertadas muralhas é difícil imaginar alguém lutando, eu estava morrendo de medo de cair só passeando. O castelo é um daqueles lugares que te transporta a um período da história que a gente só vê em filmes. Uma realidade tão distante e intangível, que as vezes achamos mais provável ter saído do imaginário alheio do que sendo história propriamente dita. Senti um aperto no peito, uma ansiedade sem razão. Acho que pelo fato de estar em uma construção feita especialmente para a defesa da cidade. Lugares como esses me fazem pensar em todas as pessoas que morreram alí.
Eventualmente consegui abstrair as guerras sanguinolentas que foram travadas no Castelo e subi e desci todas as escadas imaginando que, em meu vestido medieval, esperava ansiosamente pelo regresso do meu cavaleiro que deveria estar combatendo os mouros sob a proteção de São Jorge. Achei a história interessante por dois minutos, depois achei que legal seria se eu fosse uma ansiosa cristã tentando avistar meu amor proibido, um mouro, que arriscaria tudo para me ver no castelo agora dominado pelos meus. Depois disso, imaginei que era uma guerreira disfarçada de homem, mas essa era tão clichê que não rendeu muito.
Quando tinha cansado de vivenciar todas a minhas fantasias infantis medievais, desci e fui ao museu onde ferramentas e utilitários do dia a dia me faziam lembrar a fazenda do meu avô. Fiquei imaginando se em vez de um laptop, escrevesse com uma pluma... a vida seria mais simples, talvez eu até aprendesse a escrever direito, uma vez que não teria corretor ortográfico para corrigir minhas atrocidades ortográficas. Lembrei de dois meses atrás quando eu estava seriamente cogitando a possibilidade de voltar para o Brasil para criar cabra e fazer queijo. Será que eu vou ser assim para sempre, na cidade pequena sonhando com as luzes de Times Square e no metrô sentindo saudades da fazenda no meu avô?
Saí no jardim do castelo e vi alguns pavões: lembrei de uma idéia antiga! Há um ano, eu queria abrir um restaurante que teria um jardim exótico com pavões e faisões! Foi quando parei. Confusão mental!!!!!!! Vou ficar louca! Atriz, figurinista, garçonete, babá, gerente de restaurante, dona de restaurante, criadora de pavão e cabras, produtora de queijo... quero fazer tudo da vida! Desse jeito, vou acabar fazendo nada! Com educação de almanaque, sabendo um pouco de tudo e nada direito, aff... as vezes fico pensando se não é mais fácil ser uma pessoa sem criatividade e grandes ambições. Minha cabeça, às vezes parece que vai explodir.
Tentei esvaziar a mente, mas foi mais forte que eu: saí do castelo pensando no meu projeto maluco de fazer um restaurante que parece com uma floresta encantada. Encontramos meu amigo Leo e ele foi andando com a gente por Lisboa. Ele queria me mostrar esse lugar muito impressionante que tinha uma fachada bem chinfrim e que por dentro era sensacional: Casa do Alentejo.
A Casa do Alentejo é como muitos dos prédios de Lisboa. Muito simples por fora e esplêndido por dentro. O namorado do meu amigo, que é estudante de arquitetura, me explicou que isso é decorrente do terremoto de 1755. Depois da tragédia, o Marques de Pombal foi o responsável pela reconstrução da cidade. O pragmático Pombal alterou a paisagem urbana da capital portuguesa alargando as ruas da cidade e empregando minimalismo nas fachadas destruídas pelo abalo sísmico. Segundo o namorado do meu amigo, não era raro encontrar em Lisboa prédios espetaculares com fachadas ordinárias. E assim era a Casa do Alentejo. Entramos por uma porta absolutamente inexpressiva com um letreiro em néon azul, dentro, uma escadaria com detalhes em arte deco nos levava a um enorme terraço em azulejo. Era absolutamente impressionante por si só, mas depois do terraço, outras escadas e corredores decorados exageradamente em uma miscelânea de estilos nos levou a outro salão. Um salão enorme com um palco em uma extremidade. O mobiliário original se misturava a mobília que era usada pelo bar que funcionava no prédio, assim como um restaurante. Três ou quatro salões, cada um mais decorado que o outro em estilos completamente diferentes: o salão mais bonito caindo aos pedaços. Foi lá que ficamos sentados bebendo vinho de péssima qualidade com companhia de muita qualidade. Leo e eu rimos muito da felicidade do seu namorado ao encontrar alguém para conversar sobre arquitetura, ele, minha mãe e madrinha ficaram horas conversando! Foi ficando tarde e tínhamos que acordar cedo. Me despedi com o convite para voltar e tenho que dizer, se puder, volto logo!
Adorei Portugal! Meu irmão viveu em Portugal por um tempo, mas nunca me interessei pelo país o suficiente para visitá-lo, mas depois dessa viagem, tenho que admitir que nunca me interessei tanto pela nossa história, pelo que nos fez ser o que nós somos, pela dor do que teve que ser destruído, pelos que tiveram que ser sacrificados. A viajem fez com que me interessasse muito mais pela nossa história. Me fez também perceber que não lembro de muita coisa. Não foi apenas minha ortografia que se enferrujou, visigodos, fenícios, babilônios... aff... não lembro de nada! NADA! Só o que me faltava, achei outra coisa para me distrair, como se criação de cabra já não fosse complicado o suficiente!
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