Era mais uma daquelas revelações! Eu detestava admitir, por que isso me colocava na mesma laia que o Namorido(*1), mas revelação era o melhor termo. Eu chamo de Porta do capeta essa minha revelação! Uma passagem aberta no ano passado, por onde toda a certeza amorosa que se empenhava em manter meu relacionamento se foi. Depois de tantas “maldades” sofridas nas mãos do Namorido, era difícil acreditar que tudo ficaria bem. Várias correntes filosóficas tentavam me apaziguar os nervos pelas vozes de minhas fiéis amigas:
“Ele é apenas imaturo, uma hora ele vai amadurecer!”
“Você tem que aceitar as pessoas como elas são, pensar que você pode mudá-lo é ilusão.”
“Daqui a pouco aparece alguém muito melhor e você vai é rir disso tudo.”
“Podem falar o que quiserem, mas eu acho que vocês vão se entender.”
“Não sei o que mais ele precisa fazer para provar que não é uma pessoa boa!”
“Mermã, não sei como é que tu agüentas!”
Em meio a tantas opiniões, algumas delas vindas de dentro da minha própria cabeça, eu me vi com a mão na maçaneta da Porta do Capeta. Essa é uma portinha pequena, mas que tem o poder de crescer se não for fechada a tempo.
Era um sentimento ao qual eu já tinha me desacostumado: a volta de uma certa percepção, do que eu causava nos demais ao meu redor, mais especificamente nos homens. A última vez que eu estive ciente disso foi quando o Motivo me fez ir de salto alto ao trabalho. Impressionante o poder do salto alto! Agora eu me via longe de Nova Iorque e a percepção do sexo oposto me atingiu como uma bofetada.
Durante todo o tempo em que eu tinha estado apaixonada pelo Namorido, os rapazes passavam meio despercebidos... quer dizer, não tanto. Eu sempre tive olhos para os homens absurdamente bonitos, mas confesso que estava perdendo a mão na hora de perceber o desconforto que é causado quando um homem se interessa por uma mulher, especialmente, quando essa mulher era eu. Dessa vez, foi diferente. Cheguei ao Brasil mais atenta aos olhares! Pesquisas científicas dizem que as mulheres têm a visão periférica mais desenvolvida do que os homens, enquanto esses têm a visão objetiva mais eficiente. Eles até atribuem a isso a incapacidade dos homens de acharem a perdida chave do carro dentro de um quarto pequeno. Eu acho que as mulheres têm a visão periférica desenvolvida para perceberem quando estão sendo observadas. É um dom extremamente feminino. Você não tem que olhar sequer virar a cabeça; pela imagem borrada formada no canto do seu olho você tem a denúncia: alguém está olhando para você! Daí basta uma inventada necessidade de arranjar os cabelos para desviar a visão e confirmar a suspeita. O meliante é pego em flagrante e, muitas vezes, nem se percebe desmascarado.
Além dos olhares, me pareceram também mais explícitos os gestos de cavalheirismo. Quantas foram as gentilezas para comigo. Quantas portas abertas, cadeiras puxadas, favores ofertados, presentes inesperados... Onde toda essa gentileza foi parar nesses últimos anos? Ela sempre esteve lá, eu passava despercebida por ela? Teria eu cometido tal crime ou teria sido a mão na portinha do Coisa Ruim, a porta das possibilidades que tinha me trazido de volta tal agrado.
Muitas vezes, na tentativa de me consolar, muitas de minhas amigas diziam que eu não teria dificuldade em encontrar um novo alguém. “Você pode ter o homem que quiser apaixonado por você!” Eu, relevando o exagero do “o homem que quiser”, tinha que concordar que achar outro pretendente não seria tarefa difícil. Eu tinha que admitir meu lado Casa Nova, como minha amiga da Chechênia gosta de chamar, ou seja, Don Juan! Esse era um talento que eu sempre soube que eu tive: a de conseguir manter o interesse dos pretendentes, uma vez que a relação se estabelecesse verbalmente. Nada muito anormal, nenhuma inteligência suprema, apenas uma facilidade enorme em descobrir o que cada um deles precisa ouvir para que os seus olhinhos brilhem. Uma combinação infalível de cinema, música, uma rasa pitada de artes plásticas, uma sofisticação displicente na hora de escolher o vinho, uma pitada de surpresa e subversão pela revelação do interesse em arte seqüencial (nome científico de histórias em quadrinho) e lutas marciais ( eu fiz jiu-jitsu por um ano, e sim! Eu adorava!). Era um mistura quase que 100% certeira! As vezes, eu mesma me repreendia quando me percebia usando a mesma velha fórmula. Eu pensava que os anos passavam, algumas coisas eram adicionadas na lista de qualidades, o nível de confiança na fórmula ia crescendo e os homens parecendo cada vez mais previsíveis! Alguns, claro, ultrapassavam as frivolidades e conseguiam chegar a um nível mais profundo da minha identidade, limites onde as coisas são mais confusas e imprevisíveis, mas ali, nas águas rasas das primeiras conversas casuais, era batata! Essa habilidade virou lenda no decorrer dos anos: por que eles sempre ligam no dia seguinte?- perguntavam, minhas amigas! Difícil era convencê-las de que aquilo não acontecia por causa dos meus grandes olhos castanhos!
Eu passei a criticar meus próprios métodos, racionalizar o não racionalizável. Processos auto-críticos concluíram que meu método havia sido criado inconscientemente, por isso, era genuíno e irrepreensível, assim a culpa foi por água abaixo. Além disso, eu mesma só conseguia identificar que estava atando mais um às minhas teias de viúva negra, quando era tarde para retroceder. Atire a primeira pedra quem não obtém prazer em ser admirado!
Claro que nesse ano somou-se a toda essa desenvoltura, alguns atributos tanto novos quanto irritantes: a residência em Nova Iorque e a carreira no cinema. A freqüência com que olhos se chamuscavam com faíscas quando esses atributos eram mencionados, geralmente por terceiros, se tornou irritante desde o princípio. Essas eram qualidades que eu não ostentava, nem gostava de ter agregadas. Essas tinham sido as férias dos Cinderelos, tentando espremer seus pezinhos, não tão delicados, em finos sapatos de cristal. A última vez que aquilo havia acontecido em minha vida, eu tinha apenas quatorze anos. Tempo suficiente tinha se passado para que eu me esquecesse do sentimento que aquilo despertava dentro de mim, mas também para desenvolver uma enorme desconfiança sobre esses Romeus, tão rapidamente arrebatados por encantos, que eu nem mesmo entendia como funcionava!
Vislumbrei todos os Montecchios, anestesiados de paixão, pela fresta entreaberta da portinha do Coisa Ruim! Um pavor tomou conta de mim. Era o que eu mais temia! Difícil dizer isso sem parecer insuportavelmente antipática, mas meu medo não era o de não encontrar alguém que me amasse depois do Namorido, e sim o de não encontrar alguém que eu pudesse amar incondicionalmente como antes. Mesmo antes de conhecer o Namorido, a portinha do Cramulhão era o meu pior pesadelo. Era inconcebível para mim como, diante do mar de possibilidades que se encontrava por trás daquela porta, alguém pudesse pensar em algo para sempre. Deus (e o Diabo, é claro) sabe como, mas em um momento da minha vida essa porta foi fechada e agora lá vinha ela me atormentar! A sensação de incapacidade de retribuir a afeição incondicional e eterna de uma pessoa, o medo de mudar de idéia. O medo, que deveria ser apenas o de não ter aquela pessoa ao seu lado... tudo aquilo tinha saído de lugar.
Os céus atenderam as preces e me enviaram não apenas um, mas vários pretendentes com os pré-requisitos que eu mesma havia ditado: maduros, tranqüilos e adoradores da minha pessoa. Eram como as porções no Texas(*2), muito maiores do que o que você é capaz de processar. Aqui estou eu, com minha caixa de Pandora entreaberta, olhando para os lados, sem saber se alguém vai aparecer correndo para me impedir de abri-la. A paz havia sido quebrada, e nem eu mesma sabia se esta seria passível de ser novamente instaurada. Talvez eu estivesse abrindo a porta temporariamente, talvez alguém viesse correndo e a trancaria para sempre, talvez eu a fechasse por vontade própria, ou talvez ela mesma se fechasse para mim e eu acabaria, como diria Chico Buarque, “Num tapete atrás da porta”. Por enquanto, em meus sonhos tudo era regado ao blues de Madeleine Peyroux, meu peixe favorito era Nemo, e a língua falada o Francês.
(*1) Menção ao texto Revelação, publicado no dia 09 de novembro de 2007.
(*2) Recorrer ao texto Pequenos apontamentos sobre coisas não tão pequenas..., escrito em 29 de Dezembro de 2005.
“Ele é apenas imaturo, uma hora ele vai amadurecer!”
“Você tem que aceitar as pessoas como elas são, pensar que você pode mudá-lo é ilusão.”
“Daqui a pouco aparece alguém muito melhor e você vai é rir disso tudo.”
“Podem falar o que quiserem, mas eu acho que vocês vão se entender.”
“Não sei o que mais ele precisa fazer para provar que não é uma pessoa boa!”
“Mermã, não sei como é que tu agüentas!”
Em meio a tantas opiniões, algumas delas vindas de dentro da minha própria cabeça, eu me vi com a mão na maçaneta da Porta do Capeta. Essa é uma portinha pequena, mas que tem o poder de crescer se não for fechada a tempo.
Era um sentimento ao qual eu já tinha me desacostumado: a volta de uma certa percepção, do que eu causava nos demais ao meu redor, mais especificamente nos homens. A última vez que eu estive ciente disso foi quando o Motivo me fez ir de salto alto ao trabalho. Impressionante o poder do salto alto! Agora eu me via longe de Nova Iorque e a percepção do sexo oposto me atingiu como uma bofetada.
Durante todo o tempo em que eu tinha estado apaixonada pelo Namorido, os rapazes passavam meio despercebidos... quer dizer, não tanto. Eu sempre tive olhos para os homens absurdamente bonitos, mas confesso que estava perdendo a mão na hora de perceber o desconforto que é causado quando um homem se interessa por uma mulher, especialmente, quando essa mulher era eu. Dessa vez, foi diferente. Cheguei ao Brasil mais atenta aos olhares! Pesquisas científicas dizem que as mulheres têm a visão periférica mais desenvolvida do que os homens, enquanto esses têm a visão objetiva mais eficiente. Eles até atribuem a isso a incapacidade dos homens de acharem a perdida chave do carro dentro de um quarto pequeno. Eu acho que as mulheres têm a visão periférica desenvolvida para perceberem quando estão sendo observadas. É um dom extremamente feminino. Você não tem que olhar sequer virar a cabeça; pela imagem borrada formada no canto do seu olho você tem a denúncia: alguém está olhando para você! Daí basta uma inventada necessidade de arranjar os cabelos para desviar a visão e confirmar a suspeita. O meliante é pego em flagrante e, muitas vezes, nem se percebe desmascarado.
Além dos olhares, me pareceram também mais explícitos os gestos de cavalheirismo. Quantas foram as gentilezas para comigo. Quantas portas abertas, cadeiras puxadas, favores ofertados, presentes inesperados... Onde toda essa gentileza foi parar nesses últimos anos? Ela sempre esteve lá, eu passava despercebida por ela? Teria eu cometido tal crime ou teria sido a mão na portinha do Coisa Ruim, a porta das possibilidades que tinha me trazido de volta tal agrado.
Muitas vezes, na tentativa de me consolar, muitas de minhas amigas diziam que eu não teria dificuldade em encontrar um novo alguém. “Você pode ter o homem que quiser apaixonado por você!” Eu, relevando o exagero do “o homem que quiser”, tinha que concordar que achar outro pretendente não seria tarefa difícil. Eu tinha que admitir meu lado Casa Nova, como minha amiga da Chechênia gosta de chamar, ou seja, Don Juan! Esse era um talento que eu sempre soube que eu tive: a de conseguir manter o interesse dos pretendentes, uma vez que a relação se estabelecesse verbalmente. Nada muito anormal, nenhuma inteligência suprema, apenas uma facilidade enorme em descobrir o que cada um deles precisa ouvir para que os seus olhinhos brilhem. Uma combinação infalível de cinema, música, uma rasa pitada de artes plásticas, uma sofisticação displicente na hora de escolher o vinho, uma pitada de surpresa e subversão pela revelação do interesse em arte seqüencial (nome científico de histórias em quadrinho) e lutas marciais ( eu fiz jiu-jitsu por um ano, e sim! Eu adorava!). Era um mistura quase que 100% certeira! As vezes, eu mesma me repreendia quando me percebia usando a mesma velha fórmula. Eu pensava que os anos passavam, algumas coisas eram adicionadas na lista de qualidades, o nível de confiança na fórmula ia crescendo e os homens parecendo cada vez mais previsíveis! Alguns, claro, ultrapassavam as frivolidades e conseguiam chegar a um nível mais profundo da minha identidade, limites onde as coisas são mais confusas e imprevisíveis, mas ali, nas águas rasas das primeiras conversas casuais, era batata! Essa habilidade virou lenda no decorrer dos anos: por que eles sempre ligam no dia seguinte?- perguntavam, minhas amigas! Difícil era convencê-las de que aquilo não acontecia por causa dos meus grandes olhos castanhos!
Eu passei a criticar meus próprios métodos, racionalizar o não racionalizável. Processos auto-críticos concluíram que meu método havia sido criado inconscientemente, por isso, era genuíno e irrepreensível, assim a culpa foi por água abaixo. Além disso, eu mesma só conseguia identificar que estava atando mais um às minhas teias de viúva negra, quando era tarde para retroceder. Atire a primeira pedra quem não obtém prazer em ser admirado!
Claro que nesse ano somou-se a toda essa desenvoltura, alguns atributos tanto novos quanto irritantes: a residência em Nova Iorque e a carreira no cinema. A freqüência com que olhos se chamuscavam com faíscas quando esses atributos eram mencionados, geralmente por terceiros, se tornou irritante desde o princípio. Essas eram qualidades que eu não ostentava, nem gostava de ter agregadas. Essas tinham sido as férias dos Cinderelos, tentando espremer seus pezinhos, não tão delicados, em finos sapatos de cristal. A última vez que aquilo havia acontecido em minha vida, eu tinha apenas quatorze anos. Tempo suficiente tinha se passado para que eu me esquecesse do sentimento que aquilo despertava dentro de mim, mas também para desenvolver uma enorme desconfiança sobre esses Romeus, tão rapidamente arrebatados por encantos, que eu nem mesmo entendia como funcionava!
Vislumbrei todos os Montecchios, anestesiados de paixão, pela fresta entreaberta da portinha do Coisa Ruim! Um pavor tomou conta de mim. Era o que eu mais temia! Difícil dizer isso sem parecer insuportavelmente antipática, mas meu medo não era o de não encontrar alguém que me amasse depois do Namorido, e sim o de não encontrar alguém que eu pudesse amar incondicionalmente como antes. Mesmo antes de conhecer o Namorido, a portinha do Cramulhão era o meu pior pesadelo. Era inconcebível para mim como, diante do mar de possibilidades que se encontrava por trás daquela porta, alguém pudesse pensar em algo para sempre. Deus (e o Diabo, é claro) sabe como, mas em um momento da minha vida essa porta foi fechada e agora lá vinha ela me atormentar! A sensação de incapacidade de retribuir a afeição incondicional e eterna de uma pessoa, o medo de mudar de idéia. O medo, que deveria ser apenas o de não ter aquela pessoa ao seu lado... tudo aquilo tinha saído de lugar.
Os céus atenderam as preces e me enviaram não apenas um, mas vários pretendentes com os pré-requisitos que eu mesma havia ditado: maduros, tranqüilos e adoradores da minha pessoa. Eram como as porções no Texas(*2), muito maiores do que o que você é capaz de processar. Aqui estou eu, com minha caixa de Pandora entreaberta, olhando para os lados, sem saber se alguém vai aparecer correndo para me impedir de abri-la. A paz havia sido quebrada, e nem eu mesma sabia se esta seria passível de ser novamente instaurada. Talvez eu estivesse abrindo a porta temporariamente, talvez alguém viesse correndo e a trancaria para sempre, talvez eu a fechasse por vontade própria, ou talvez ela mesma se fechasse para mim e eu acabaria, como diria Chico Buarque, “Num tapete atrás da porta”. Por enquanto, em meus sonhos tudo era regado ao blues de Madeleine Peyroux, meu peixe favorito era Nemo, e a língua falada o Francês.
(*1) Menção ao texto Revelação, publicado no dia 09 de novembro de 2007.
(*2) Recorrer ao texto Pequenos apontamentos sobre coisas não tão pequenas..., escrito em 29 de Dezembro de 2005.