Eu tenho recebido muitas mensagens de amigos que lêem o “Coisas de Laurinha” reclamando que eu não tenho atualizado o blog com mais freqüência. Eu sinto muito, mas a verdade é que eu não tenho tido muita inspiração, e que mesmo quando a gente mora em NY, as vezes a vida pode se tornar um tédio sem fim.
Noite passada eu respondi a um convite de uma ex-colega de trabalho. Eu já falei dela no blog, muito tempo atrás. Ela é uma imigrante ilegal que veio da Chechenia. Chechenia, caso alguém não saiba, fica na Rússia e há dez anos enfrenta a instabilidade política gerada pelo movimento separatista. Chechenia vêem tentando declarar independência da Rússia desde o fim da União Soviética, e para isso, já passou por duas guerras. A República da Chechenia é de maioria Islâmica, enquanto a Rússia é de maioria Cristã Ortodóxica, mas como todos nós estamos cansados de saber, por traz de desavenças religiosas, sempre existem segundas e terceiras intenções e no caso da Chechenia, não seria diferente. O motivo pelo qual a Rússia bate pé e não abre mão do território Checheno é um velho conhecido nosso: o petróleo! A Chechenia é a região que tem a maior reserva de petróleo em toda a Rússia, e a independência desse república seria economicamente desastrosa para a antiga União Soviética.
Essa minha amiga veio de um pequeno vilarejo da Chechenia. Ela foi criada sob a religião Islâmica, filha única de uma mãe viúva, por isso, foi sempre a prioridade de sua mãe, que como cuidadosa figura materna, desejou pra sua filha nada menos do que o melhor. O melhor segundo sua mãe é o casamento com um bom homem islâmico. Há alguns anos atrás, minha amiga veio trabalhar em um camping de verão como monitora das crianças, era uma espécie de intercâmbio. Quando esse trabalho acabasse, ela deveria retornar a Chechenia, aceitar um bom homem islâmico que sua família escolheria como seu marido e viver feliz pra sempre, mas não foi o que aconteceu. Minha amiga resolveu não voltar pra Chechenia e continuou nos EUA como uma imigrante ilegal.
Nos conhecemos no Café onde eu trabalhava no Soho. Eu morria de rir todas as vezes que ela me dizia que ele tinha que se casar virgem, que ela nunca tinha namorado, que as vinte e três anos de idade ela nunca tinha tido um relacionamento. Para melhorar a situação, e fazer ela ainda mais engraçada, um dos garçons do Café onde trabalhávamos, era Cristão Ortodóxico do Egito, outra área onde Cristão e Islâmicos andam sempre as turras, e no Café, não era diferente: a Chechena Muçulmana e o Egípcio Cristão, estavam sempre em guerra. Lembro-me uma vez , de como eu precisei de cinco minutos pra entender o que tinha acontecido a poucos metros de mim. Minha amiga disse algo e o garçom Cristão fez o sinal da cruz para ela, imediatamente, ela começou a gritar e correu para o banheiro onde ela se trancou por vinte minutos. Eu não conseguia entender como uma coisa em que ela não acreditava, podia ser tão assustadora.
A maluca foi despedida por que, além de brigar com o Cristão Ortodóxico, ela não se continha em brigar com o dono do Café, um Judeu Israelense. Eu, a Infiel, como ela gosta de me chamar, aparentemente, era a única pessoa com quem ela se dava bem lugar, por isso continuamos amigas mesmo não trabalhando mais juntas.
Uma bela tarde de folga em casa, o meu telefone toca, era essa amiga, ela estava ao prantos e perguntava se podíamos no encontrar pra conversar. Eu disse que sim e perguntei o que havia ocorrido, “ Uma pessoas quebrou meu coração”, ela respondeu. Eu pensei:”O que?” Desliguei o telefone e me arrumei para encontrá-la e durante todo o tempo eu imaginava o que poderia estar acontecendo. Ela não podia namorar, sempre me disse isso, como é que isso aconteceu?
Nos encontramos no Lower East Side, minha vizinhança. Passeamos, eu mostrei as coisas que eu gosto perto da minha casa e nó paramos em um restaurante mexicano. Minha amiga me dissera uma vez que estava aprendendo espanhol e que adorava comida mexicana, como eu queria agrada-la, foi direto para o restaurante hispânico. Depois de escolher o que íamos comer e fazer o pedido, finalmente resolvi que era hora de tocar no assunto. Perguntei o que havia ocorrido, por que ela tinha me ligado tão aflita, quem teria sido essa pessoa que havia quebrado o seu coração? A resposta quase me fez entalar com o aperitivo que eu comia: “ Essa garota que trabalhava comigo” ela disse extremamente envergonhada. Eu fingi que não estava surpresa e perguntei: “ Ela era sua namorada?” Ela respondeu que sim. O primeiro trabalho que ela teve em NY depois do acampamento de verão terminar, foi de entregadora de comida nesse café em Midtown. Essa garota trabalhava com ela lá e foi assim que se conheceram, a menina era mexicana. A nacionalidade da garota fez com que eu entendesse a paixão pela culinária tchicana assim que como pela língua, mas ao mesmo tempo, fez com que eu me arrependesse amargamente de tê-la levado ao restaurante onde estávamos. Perguntei a quanto tempo estavam juntas e a resposta me arregalou o olhos novamente: “Mais ou menos dois anos”. Ela me contou sobre como gostava dessa garota, mas como sofria, por que achava que era errado ficar com ela. A união gay de uma Islâmica Chechena e uma Mexicana Católica, não foi fácil de administrar e, depois de várias brigas, a garota terminou o romance. Minha amiga estava inconsolável.
Isso aconteceu a quase um ano atrás, continuamos amigas, mesmo com as diferenças culturais, e noite passada, eu respondi ao seu convite: Patinar no gelo no Central Park! Eu tenho meus próprios patins, presente dessa mesma amiga. Fomos nos encontrar no Central Park com uma amiga dela de Nebraska e um amigo de trabalho Venezuelano. Depois de um ano, minha amiga ainda continua apaixonada pela ex-namorada Mexicana, e quando me viu lado a lado com o Venezuelano, falou: “Vocês podem conversar em espanhol”. Arranhei o meu portunhol aperfeiçoado nos Estados Unidos depois de tanto trabalhar com mexicanos nos restaurantes da minha vida. O Venezuelano ficou bastante impressionado, disse que eu não tinha sotaque de brasileira, que segundo ele, falam espanhol muito engraçado. Ele falou que meu espanhol era muito bom e que meu sotaque parecia o de uma porto-riquenha que depois de muito tempo fora de casa, desaprendera um pouco de espanhol.
Reparei no pescoço da amiga de Nebraska, um colar que parecia uma plaquinha. Era marrom, parecia com um colar que teria algo bíblico escrito, e era. Mais tarde perguntei pra minha amiga se a garota era religiosa. Minha amiga respondeu que sim, ela era extremamente religiosa, e que não fazia idéia de que minha amiga era gay. Lá estávamos nós, o Venezuelano Católico, a Chechena Islâmica Gay, a Americana Cristã Conservadora e a Brasileira Infiel, na melhor tradução do cosmopolitismo nova-iorquino, patinando juntos no Central Park! Minha amiga tratou de me alertar que o amigo da Venezuela também não sabia de sua preferência sexual, por isso eu não deveria comentar nada em sua frente. Argumentei dizendo que ela se preocupava de mais com o que as pessoas pensavam, ela respondeu dizendo que uma vez, ouvira esse amigo comentar que pessoas gays eram na verdade gente confusa, e que ela não se sentiria bem em entrar em detalhes com ele. Quem sou eu para me meter nesse balaio de gato? Fiquei quieta, mas por ironia do destino nó tínhamos escolhido um dia especial para patinar: era noite gay de patinação! Eu, adorei, a música era tudo de bom e as pessoas educadíssimas, todos engajados em aprender novos truques e piruetas! Minha amiga, em compensação se sentiu super-ameaçada.Depois de quase duas horas patinando, eu estava morta de sede e estava começando a chover, então nós entramos para beber água. Eu estava de costas para minha amiga bebendo água, quando eu ouvi uma voz se dirigindo a ela: “ Pode pegar uma pra você!” eu me virei e comigo a sua amiga de Nebraska. Minha amiga abria uma caixinha colorida que trazia em sua mão, foi quando eu vi ela ficar muito vermelha. Ela ria, cobria a boca e andava meio desorientada procurando uma forma de se ver livre da caixa, finalmente ela jogou a caixa de volta a mesa de onde a tinha tirado e correu para o banheiro, passando por mim no caminho. Fui em direção a mesa para entender o que havia ocorrido. Como nós estávamos patinando no evento gay, eles haviam montado um stand para divulgar a caminhada gay contra o HIV e estavam distribuindo preservativos. Duas caixinhas, uma pra meninas e uma pro meninos! A caixa das meninas era uma gatinha e a dos meninos, um cachorrinho, dentro delas preservativos e lubrificantes, mas minha amiga tinha achado que era chocolate.
Eu estava de frente a mesa quando minha amiga saiu do banheiro mais vermelha do que um pimentão contando para a amiga americana-cristã-conservadora o que tinha acontecido. Ela me viu e começou a me contar a história de como abrira a caixa e quase coloca uma camisinha na boca. Eu ri e aceitei uma caixa que a moça do stand me oferecia. Quando íamos saindo a moça se referindo a minha amiga e sua acompanhante: “Não sei por que você está fazendo essa cara, aposto que vocês tem um namorado!” Sem que as duas me vissem , eu balançava discretamente a cabeça dizendo que não. A moça percebeu e me perguntou apenas com os olhos: “Não mesmo?” e eu respondi com a cabeça: “ Não mesmo!” Quando eu achava que tinha posto fim a situação embaraçosa em que minha amiga havia se metido, ouvi a moça grita: “Não tem ninguém? Pois pode ir indo lá pra fora pra ver se arranja alguma coisa! Onde é que já se viu?!” Boa coisa que eu era a única prestando tenção e minha amiga nem ouviu a moça.
Ignorando a chuva, voltamos a patinar. No gelo as figuras mais inusitadas: homem com calças de couro apertadíssimas; casais de judeus ortodóxicos, facilmente reconhecidos pelo jeito que se vestem; garotas moderninhas, cheias de pircings; ma também um monte de gente inidentificável. Isso me fez pensar na necessidade que temos de identificar as pessoas, pensei em por que a gente faz isso? A resposta rápida: Identificar para se identificar! Eu falo isso sem apontar dedos, por que ia estar apontando a mim mesma. Mas, quão narcisista é o ser humano, que mesmo rodeado por várias pessoas diferentes, ainda sente a necessidade de ver a si próprio em cada rosto para o qual olha? Medo talvez? O fato é que NY não é o lugar de sentir medo e sim, o lugar para testar se o seu pedido por cosmopolitismo, que fez você vir parar aqui, é genuíno ou não! E você? Tem certeza de que Narciso NÃO acha feio o que não é espelho? Já fez o teste? “It’s up to you, New York, New York..."