segunda-feira, fevereiro 13, 2006

O delicioso aroma de café de manhã cedo, mas bem cedo!



Cafezinho é a amiguinha da Moranguinho, escolhida como o melhor presente de inimigo oculto pra uma garçonete que trabalha em uma cafeteria, ela tem cheirinho de café!

Introdução ao tema

Essa semana, um amigo do Brasil baixou por aqui. Um ex rolo que virou amigo no fim das contas, por que, quem me conhece, sabe que eu sou amiga de verdade de “quase” todos os meus "ex"s.
O fato é que sair com alguém do Brasil, falar da vida em português e conversar fiado, me fez lembrar que existe vida inteligente dentro do meu cérebro. Foi um jantar que foi responsável pela descoberta de neurônios ativos dentro da minha cabeça. Eu desconfio que mutações ou processos evolutivos fizeram com que algumas dessas células se tornassem mais forte possibilitando a sua sobrevivência em ambiente de tamanha hostilidade.

Sobre o ambiente hostil e sua fauna diversa

Você é criada do melhor jeito possível, seus pais fazem tudo por você: Amor carinho, apoio, pagam escola, mandam pra estudar em outro estado, pagam curso de inglês, oficina de dança Butoh, curso de maquiagem e efeitos especiais, iniciação a roteiro pra quadrinhos, e quando eles pensam que você vai entrar no mestrado de antropologia e arqueologia, pra poder dizer que a filha é inteligente, você conhece um sujeito numa loja e resolve morar com ele depois de 2 meses de namoro. Não satisfeita, resolve morar com ele em NYC, ai lá vão os pobres coitados pagar o visto, a viagem, e os seis meses de curso de inglês... Tudo isso pra que? Pra infeliz virar garçonete!

E aqui estou eu, aterrorizada com a percepção tardia de que eu faço 25 esse ano, trabalhando de garçonete nesse lugar que mais parece um zoológico, ou melhor, a arca de Noé, fazendo mais juízo ao local, uma vez que abriga sobreviventes de diferentes espécies de diversas partes do mundo.

Intitulado “Le petit café”, de francês, o lugar só tem o nome e a sujeira, por que o resto… O Dono, um velho resmungão e mão de vaca, é de algum lugar lá pelo oriente médio, não sei bem de onde. Os três “musquiteiros” (cozinheiros/ garçons) são do Egito, um da igreja ortodoxa cristã e o outro, já corrompido pelo tio Sam, casado com uma Americana. A arca conta ainda com a presença de uma Chechena ( eu nem sabia que esse povo conseguia passar pela imigração) totalmente desorientada. Completando a fauna local, o misterioso Lord de Down Stairs, um senhor mexicano que tem lá seus cinqüenta e sabe-se lá quantos anos. Ah, não podemos esquecer da presença não diária , porém corriqueira dos ratinhos, esses autenticamente Novaiorquinos. Francês por lá, ainda não vi nada, mas enfim, em um país onde o American coffee na verdade é colombiano, quem vai se incomodar se o restaurante francês é, na verdade, arab-egip-mexi-che-tupiniquim?!

Sobre as diferentes expécies

Egípcio I

Ainda existe isso? Igreja ortodoxa? Pois é… vivendo e aprendendo…O infeliz , um magricela desengonçado, de dentes entrambelhados se apaixonou por mim. O motivo é o melhor: por que eu sou quieta. A minha falta de paciência pra conversar futilidade com meus colegas de trabalho, foi interpretada como, timidez, submissão, ou sei lá o quê! O fato é que o franzino, como uma noiva virgem no Egito esperando por ele, vive enchendo meu saco dizendo que se eu quiser, ele larga a noiva pra ficar comigo, e que se fosse meu marido, me cobria de ouro hahaha( Inxalá)

Egípcio II

Esse coitado é o mais simples de todos. Trabalhava desde crianças na construção civil no calor do Egito, está aqui nos EUA a quatro anos. Arranjou uma noiva na Califórnia, mas não deu certo. Outro dia, ele me disse que ia conhecer a futura noiva, uma outra. Tinha essa mulher que vinha do Egito, e como ele queria casar com uma egípcia, ia conhecer ela. Me disse que ia comprar um bolo pra levar de presente pra moça. O noivado não deu certo , mas o presente não poderia ter sido mais apropriado, ele não gostou dela por ela era muito gorda.

Egípcio III


Esse tem história mais parecida com algo que a gente entenda. Casou com essa Americana que é 4 anos mais velha que ele e que não gosta de trabalhar. Depois de quatro anos de casado, ele gastou todas as economias que juntou nos EUA com o bicho preguiça, não satisfeita, a moça arrumou um caso com uma outra mulher e deixou o pobre endividado e sozinho!

O Lord de Down Stairs

Essa história é a mais séria e triste de todas. Lorde de Down Stairs saiu do México nos anos 60. Separado, deixou a ex mulher e os filhos, mas sempre mandou apoio financeiro. Aqui conheceu uma Americana de origem Latina também. Na terra prometida, ele prosperou, abriu o próprio negócio e ia vivendo feliz da vida, até descobrir que a mulher tinha outro. Acabou largado pela mulher, enlouqueceu, vendeu o negócio, perdeu tudo que tinha. Pra piorar, a ex mulher, que ficara no México, teve câncer. O tratamento levou os últimos trocados do pobre coitado, que já deve ter bem mais de 50 anos. Agora o Lord de Down Stairs morra no Le petit café, pra economizar dinheiro, em um pedaço de papelão com um edredon velho, ele dorme, lá no finzinho do salão onde ficam as mesas. Ele acorda todo dia 7:30 quando a gente chega pra abrir o café, pega suas coisas e desce a escada que leva pra cozinha, onde ele trabalha durante todo o dia. A cozinha fica no porão, por isso eu batizei ele Lord de Down Stairs.

A Chechena desorientada ( nem sei se é assim que se escreve)

Essa fica por último, por que é a melhor, ou melhor, a pior! A pior garçonete de todos os tempos, no último ano onde começou a trabalhar de garçonete, foi despedida de 5 diferente empregos. Veio pra cá em um intercâmbio, trabalhar em um acampamento de verão e acabou ficando. A mãe chora toda semana no telefone pra ela voltar. Ela, como não tem mais visto, não pode ir pra Rússia se não, não volta mais, mas como quer ir ver a avó doente, está a procura de um falso marido pra se casar ganhar um green card. Tem que ser alguém descente pra não tentar nada com ela, que tem que se casar virgem quando o negócio for de verdade. Quando aconselhada a unir o útil ao agradável encontrando um marido logo de vez, ela explica que a mãe preferiria ela morta a casada com um não- checheno ou não- mulsumano. Exagero? Precisava ver a reação dela quando um dia, de brincadeira, o ortodoxo resolveu fazer o sinal da cruz pra ela… A mulher corria e gritava igual uma louca, se trancou no banheiro apavorada, de onde não saiu por meia hora!

Da rotina diária

Sem dúvida a coisa que a gente tem mais que fazer no café é cappuccino. Não aquele solúvel que a gente tem no Brasil, mas o legítimo cappuccino italiano ( no café francês?!)

Receita de cappuccino

Você primeiro tem que fazer o expresso, que é muito fácil. A única coisa errada que você pode fazer, é por pó demais, ai a máquina meio que explode, jogando a boquila do café pra for a da máquina jorrando borra de café e água quente por todos os lados, nada grave!
Depois, a espuma do cappuccino. Em uma jarra de alumínio, você coloca o leite frio. A máquina de cappuccino tem um caninho que solta vapor quente em alta pressão, você coloca o cano dentro do leite, mas tem que ser na superfície, até começar a formar a espuma, depois você pode ir pro fundo da jarra esquentar o resto do leite. Se esquentar muito, a espuma some e é ai que entra , sem dúvida, a melhor parte: a temperatura do leite! Uma mão controla a altura da jarra no canudo, a outra, espalmada na parte de baixo da jarra, serve pra, justamente, perceber a temperatura do leite. O ponto certo é: quando começar a queimar a mão!
Depois, é só por a espuma de leite em cima do expresso!
Levando em conta que em um sábado normal, eu atendo em média 150 mesas, com no mínimo um pedido de cappuccino por mesa, contando muito por baixo, no fim do dia eu parcialmente queimei minha mão entre 150 a 200 vezes! E tem gente que diz que 20% de gorjeta é muito!

Por que a bicicleta não é o melhor meio de transporte durante a maior nevasca de todos os tempos em NYC

Neste último sábado, depois de trabalhar no café e chegar em casa cheirando a comida, eu reuni todas minhas forças pra me arrumar e marcar uma presença quase que passageira no aniversário da P.
Entrei no meu banho e como sempre, lavei o cabelo duas vezes pra inhaca de comida sair de mim. Eu admito que, não só o fato de ter observado uma fina nevinha cair durante a tarde e começo de noite pela janela do café, mas como também, de ter voltado em minha diária caminhada de 20 minutos pra casa sob as mesmas condições climáticas, a essas alturas do campeonato, não me animavam a dar o ar da graça em nem um lugar que não fossem os braços de Morpheus. Mas como meu ilustríssimo “com sorte” já tinha me aperreado na sexta por que eu não havia saído com ele, e P, sem dúvida, uma das minhas preferidas entre as pessoas com quem eu me relaciono nesta terra de esquisitos, eu não só me arrumei, mas até subi no salto alto.
Na saída do apt, uma amostra do que me aguardava. Um vento cortante, com uma neve, não mais tão fininha, mas também nada de mais. Desistimos do ônibus, no primeiro quarteirão e entramos num táxi. Chegamos no endereço do bar, entramos, mas mesmo lá dentro, levou uns 15 minutos até que eu conseguisse tirar o casaco. C, um dos amigos do namorido do Texas, estranhando o frio tanto quanto eu, chegou mais tarde e mais parecia uma cebola sendo descascada ao tirar todos os apetrechos de frio. Sabendo que teria que acordar cedo de mais na manhã seguinte, tratei de me despedir de todos e apontar pra casa, dei um beijo no namorido e fui…
Sai do bar mas agora, o vento era ainda mais forte e a neve já havia encorpado um bocado. Morrendo de medo de finalizar minhas patinadas de salto alto estatelada no chão escorregadio e coberto de gelo, eu andava a passos de japonesa. Quando atravessei a rua pra pegar o táxi no sentido da minha casa, quase caio no meio da rua, mas foi só um quase. Um, dois, cinco, dez minutos …e nem um táxi disponível passava, quando finalmente um apontou na esquina eu já não sentia as pontas dos dedos das mão e dos pés.
No carro, o taxista falou que era a última corrida, e que depois ia pra casa, pois a ruas estava com muitas neve, perigoso pra dirigir. Enviei uma mensagem ao namorido pra alertá-lo da possibilidade de não encontrar um táxi pra voltar pra casa. Cheguei em casa e mergulhei na cama, a uma da manhã, eu já dormia.
Escuto a porta abrir, e acordo com a visão do namorido praticamente congelado, parecia um frango saído de um refrigerado de frigorífico. Roxo, respirando com dificuldade e com o cabelo, meio molhado, meio congelado. Saiu com os amigos alcoolizado do bar e começaram a brincar na neve, jogar uns aos outros no chão fofinho, guerrinha de bolas de neve, até perceber que seu tênis all star estava encharcado, que ele estava com muito frio e que em todo o tempo em que brincavam como crianças no meio de uma das maiores avenidas de NYC, nem se quer um único carro havia passado por lá. Vendo que teria que ir a pé até o apartamento, o que sem neve, é passível de ser feito em 25 minutos aproximadamente, o infeliz, completamente alcoolizado, começou a correr a caminho de casa. Chegou congelado e quase sem respirar, mas, em fim, vivo.
Acordo as sete e olho pra fora pela janela. Vinha vista da janela não é nada mais do que o telhado da loja do lado do meu prédio, não vi a rua, mas vi que a neve desta vez tinha realmente tinha crescido. Pus um bocado de roupa, peguei meu singelo guarda chuva, por que a neve ainda caia, e me pus da porta pra fora e…
Puta que pariu! Nem uma alma viva na rua…tudo branco, uma neblina que encobria a visão a mais de 50 metros, a neve caia desgovernadamente, o vento parecia enlouquecidamente querer me separar de meu guarda chuva, que se retorcia a suas rajadas. Quando dei o primeiro passo, meu pé afundou e a neve chegou até meu joelho, nessa hora eu me lembrei que eu teria uma caminhada que, sem neve, era cumprida em 20 minutos. Ai, ai…lá vai a escrava Isaura afundando na neve resmungando que só ela, os mexicanos e os chineses tinham posto as fuças pra fora naquela condição, embora não visse muitos nem dessas etnias a perambular.
No meio da nevasca, um teste de civilidade…quase congelando, coberta de neve, por que essa peste não cai igual chuva de cima pra baixo, ela parece que vem de todas as direções, encontro uma senhora mexicana perdida no meio da nevasca. Continuar e fingir que não percebeu que a mulher precisa de ajuda e chegar em um lugar quente e seco logo, ou prolongar a tortura pra ajudar aquela sofrida figura que provavelmente não seria nem capaz de falar inglês comigo. Bem, como Isaura era uma escreva boa, lá fui eu gastar o portunhol pra decobrir aonde a louca ia. Quando achei o lugar, tratei de encaminhar a mexicana e corri pro meu café. No caminho a neve as vezes aparecia quase da altura do meu quadril. Bonito era, mas quando eu cheguei no café, eu parecia a abominável garçonete das neves.
Durante as cinco horas seguintes eu, outra garçonete da Chechenia, um garçom do Egito e um limpador de mesa e carregador de prato sujo mexicano atendemos uma única mesa, até o outro garçom egípcio chegar e ligar pro dono do Café que liberou a mim a a Chechena pra ir pra casa.
Toda a jornada de ida foi repedida na volta, só que agora as ruas já estavam cheias de crianças fazendo guerra de neve, brincando de trenó e correndo com os cachorros ( gente cachorro adora neve!)
Em casa, me empenhei a tarefas caseiras de arrumação e decoração( eu tô construindo uma mesa) até a noitinha quando o namorido, depois de ler algumas coisinhas na net, me disse que esse dia havia batido o recorde: a maior quantidade de neve caída em NYC em um único dia, em todos os tempos!
E ai? Tava querendo saber se a Piauí aqui ia se virar no frio de NY? Eu estreei a neve da Orchard Street (quando eu sai, não tinha nem uma pegadinha!) no dia da maior nevasca de todos os tempos na Big Apple , baby!

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Ai o amor…

Então, depois de alguns minutos encarando o computador pensando que eu tenho que escrever no meu blog antes que eu desista dele, e de vasculhar minha mente minuciosamente em busca de algo engraçado pra contra aqui, uma vez que eu me recuso a escrever um blog que seja sério, eu me vejo obrigada a entrar nesse assunto.
Adianto, que, como de costume, a história é comprida e começa assim:
Era uma vez essa garota que era gata pra caramba! Muito gata mesmo! Ela morava numa cidade pequena e quando chegou a hora de ir pra faculdade, ela teve que se mudar. Ela foi pra essa cidade que era bem maior do que a pequenininha onde ela tinha sido criada. Foi pra escola numa época bem “sexo, drogas e rock and roll”. Lá, ela conheceu esse cara. Eles estavam jogando ping-pong, nada especificamente romântico, mas ele não pode deixar de reparar o quanto ela era bonita e jura até hoje que deixou ela ganhar várias partidas só pra criar intimidade. Ele, longe de ao menos lembrar alguém bonito, magricelo e maltrapilho, sabia como ninguém compensar a falta de formosura com uma notável habilidade com as palavras.
Ele, acabara de sair de um relacionamento de 10 anos, uau! Ela, prometia não namorar outro bonitão como o último, por que sentia um certo desconforto ao perceber que suas “amigas” alisavam as pernas desse tipo sob as mesas das lanchonetes. Por tanto, aquele era um encontro um tanto conveniente.
Quando perceberam, lá estavam eles apaixonados e prontos pra conhecer as respectivas famílias…ai , ai, ai…eu ainda não citei aqui o impronunciável nome do rapaz…bem, nem vou, … mas que se registre que o mesmo era tão impronunciável, que por mais que a adorável senhora, a mãe da moça, tentasse, ela não conseguia se lembrar, e o confundia com o nome de uma marca famosa de eletrodomésticos.
O nome, na verdade, era um detalhe engraçado, por que o resto era mesmo assustador. O pacato casal, os pais da moça, que criou seu cinco filhos em uma bucólica cidade do interior, via a mais bela de suas filhas seriamente comprometida com este…rapaz? Bem, a descrição do rapaz feita pelo pai da moça, foi a de um palito, que em uma extremidade se atrelava a um balaio (era como se referia ao cabelo do rapaz , estilo black power) e em outra, a um imundo par de tênis… e aquele nome…como é mesmo que ele se chama?
Passadas as primeiras péssimas impressões, lá estava o magricela desenrolando o latim como só ele sabia, e o adorável casal de velhinhos já se mostrava, a esse ponto, a cultivar uma certa simpatia por aquela estranha figura.
Ela achava bem charmosa aquela postura de casar com aliança emprestada, coisinha simples, bem 70`s sabe como? Amor e cabana, embora o estilão do moço não permitisse que o mesmo entrasse nesse tipo de sentimentalidade. Casaram-se então!
A moça tava formando na faculdade quando o primeiro filho foi encomendado. Os trabalhos finais da moça foram feitos pelo pai da criança uma vez que a barriga da mãe a impedia de alcançar a mesa.
Antes da criança nascer, a oportunidade de prosperidade se apresentou ao rapaz. Seria se mudar pra sua cidade natal e dirigir um negócio com seu pai. O detalhe era o seguinte: a cidade natal do rapaz era nos confins , depois de onde Judas perdeu as meias. Nesse tempo, passagem de avião era coisa de barão e as estradas eram, uma verdadeira selva por onde o casal passou na sua mudança de endereço.
Um dos momentos engraçados da viagem foi quando, ao despertar de um cochilo no banco traseiro do carro, a moça deu de cara dom uma cobra gigante a centímetros de seu rosto. Perto de mais pra perceber que a cobra estava do outro lado do vidro do carro, antes de promover uma cena hilariante de pânico. O rapaz havia parado pra comprar milho assado na estrada, e um homem que havia encontrado essa cobra, “mansinha, mansinha”, rodeava vendedores de estrada se gabando do achado.
Lá estavam eles, vivendo nessa cidade pra lá de longe da família da moça e ela prestes a ter um bebê. A senhora, avó da criança, enfrentou seu medo de voar e foi parar na cidade que de tão quente, mais parecia a casa de férias do Coisa Ruim em pessoa.
Nasceu a primeira filha, tadinha, tão feia que a avó não consegui conter o comentário (feito, claro, não em frente aos pais): “Jesus, Maria, José, como é feia, tadinha dessa menina! Mas o importante é que tem saúde”. Saúde o cacete: o capeta da criança era vermelha como um pimentão, e tinha a cara extremamente amassada pra um dos lados, o nariz torto de da dó. Os médicos consolavam dizendo que com alguns dias melhoraria, pois ela devia estar com aquele lado do rosto apoiado na barriga da mãe e por isso a deformidade. “Assim a gente espera!” , pensou a senhora.
Demorou mais do que alguns dias, pra ansiedade da senhora, mas quando a garotinha estava lá nos seus dois meses, ela estava muito bonitinha!
Um pouco mais de um ano depois, veio a segunda gravidez, e a moça que passara pelo perrengue de ter o primeiro filho longe da família, com a ajuda apenas da mãe, arrumou as malas e voltou pra sua cidade natal, pra ter o segundo rebento por lá.
E assim o foi, nasceu dessa vez um menino, que de tão preguiçoso, quase mata a mãe de preocupação. Nasceu e dormiu, dormiu por 24 horas , não acordou pra comer, a mãe, chamou o irmão, médico, pois não sabia se o menino estava vivo. Diga-se de passagem que 24 anos depois, o menino se comporta da mesma maneira, dorme, dorme e não acorda nem pra comer!
Voltou pra casa com as duas crianças e o marido! Os dois trabalhando muito, as crianças sempre reclamando, mas muito bem guardadas pela fiel escudeira, a babá. As crianças foram muito bem educadas, ambiente saudável, coisa e tal.
Uma vez a amiga da filha do casal estava com ela na mesa de café da manhã e fez uma observação engraçada. Depois do pai entrar na sala e encontrar a filha, a amiga da filha e a esposa, o pai passou pelas três, dando,em cada uma, um beijo na testa e fazendo uma piadinha. Ele se sentou e os quarto tomaram café conversando. A amiga permanecia calada como sempre, meio tímida, mas sempre muito engraçada quando resolvia falar. O pai e a mãe saíram pra trabalhar no sábado de manhã. A filha percebendo a amiga reflexiva perguntou no que passava. “Sua família parece família de propaganda de margarina”, a garota riu como ria todas as vezes que essa amiga fazia qualquer pontuação sobre qualquer que fosse o assunto em pauta, mas ficou lá pensando como tinha sorte de ter uma família de margarina, sua amiga tinha pais separados e uma vida muito pouco organizada antes dos 12 anos de idade.
E assim permaneceu por um bom tempo, pais exemplares, faziam tudo pelos filhos. Unidos como o quê por esses rebentos, orgulhosos, cuidadosos e bacanas! Os filhos do casal remanescente dos anos 70 receberam criação invejada pelos amiguinhos.
Mas como eu falei, a família morava nesse lugar, que com o passar do anos e desenvolvimento da tecnologia e do sistema de transporte, já não era assim um fim de mundo, mas era pequena de mais pras mentes das duas crianças criadas por um casal tão bacana! E lá se foram os rebentos, cada um pra uma metrópole, cada um em um canto do país.
A mãe, então, começou a reclamar que a casa estava muito quieta, vazia. Ela visitava as crianças constantemente, mas o pai guardava vigilha de longe e preferia aguardar as crias na toca.
Foi ai que tudo começou. O casal, agora sem os filhos em casa, descobriu que os dois haviam mudado, descobriu também que eram as crianças que escolhiam o filme do cinema no domingo, pois uma vez que eles não estavam mais lá era impossível chegar a um acordo. Mesmo coisas simples como escolher um restaurante, ou um programa pro fim de semana se tornara impossível, sem o poder moderador das crianças, o casal descobrira que haviam se tornado pessoas completamente diferentes uma da outra.
Pra piorar, os filhos resolveram ir pra ainda mais longe e a mãe não mais contava com o recurso que usava constantemente pra se livrar dessa sensação: visitar os filhos! Agora, ambos os filhos haviam se mudado do país, cada um pra um lado diferente.
O jeito foi mergulhar em trabalho e estudo pra preencher o espaço irremediavelmente aberto no lar.
Foi quando, sem muito rapa-pé, a mãe anunciou com um tom: “tenho uma coisa pra te contar”, que o casal estava se separando.
A mãe como viaja muito a trabalho se mudaria pra um apartamento menor e o pai ficaria na casa com os dois gatos e o cachorro, questão de segurança. O pai estava ajudando a mobilhar o apartamento novo. O melhor foi a preocupação da ex mulher em levar o ex marido ao supermercado pra ensiná-lo a fazer compras antes de se mudar, pra que ele soubesse se virar na sua ausência.
E assim, sem traumas ou brigas o casal se desfez…
A filha, a milhas de distância, recém casada, não pode deixar de pensar nas semelhanças. Ela havia saído de um relacionamento longo antes de conhecer o seu parceiro. Como o pai, se apaixonado, como a mãe, mudado pra longe da família e amigos, se vendo casada muito antes do que ela imaginava ou esperava que isso acontecesse.
A filha, que já havia chorado algumas vezes pela separação do casal bacana que a criou, e estava agora em frente ao computador parou de escrever e olhou pro lado onde viu seu marido/ namorido* e tentou imaginar como os dois seriam depois de 25 anos de casados. Não conseguiu imaginar nada e não conseguiu concluir se essa ausência de expectativa era algo bom ou ruim.