sexta-feira, março 16, 2012

Vão-se os cenários, ficam os personagens...

Sei que já faz mais de um ano que não escrevo. Para os que sempre me perguntam por que não invisto na carreira de escritora? Aí está a sua resposta, as vezes simplesmente não consigo escrever!

Esse são meus últimos meses em New York, acabei, ao contrario do esperado, passando mais um inverno aqui na selva de pedras. A cidade parece mais linda que nunca, o inverno com temperaturas primaveris parece ter sido arquitetura divina, desenvolvida especialmente para fazer minha partida ainda mais difícil.

A decisão foi feita, New York não é uma cidade onde gostaria de envelhecer, mas o medo de não me adaptar com a vida na terrinha tupiniquim anda me desprovendo de várias noites de sono. Adicionando a ansiedade: New York não é a única coisa que deixo para trás. Ficam também sete anos de amizades e planos, por isso decidi visitar meu amigos que vivem nos EUA, os que sempre planejo ver, mas nunca consigo!

Essa semana finalmente me organizei para visitar uma amiga de faculdade. Diferente de mim, bacharel em teatro, minha amiga iniciou sua formação em Cinema de Animação na escola de Belas Artes de Minas Gerais e depois de completar os estudos na Universidade do Texas, se casou com outro animador. Agora, os dois vivem “felizes para sempre” na belíssima cidade de São Francisco, California.

Aqui nos EUA, São Francisco é considerada a cidade de clima perfeito, nunca muito frio ou muito quente. Claro que as minhas preocupações atuais tem feito escuras nuvens sobrevoarem minha cabeça por onde quer que eu vá, e elas me acompanharam a São Francisco. Dos 4 dias passados em São Francisco, tive um dia de sol, um nublado e chuvisquento, e de resto, chuva forte 24 horas por dia.

Minha amiga e seu marido chegaram ao aeroporto para me buscar, assim que entro no carro, a notícia: Vamos a Napa! Teríamos que buscar um amigo do marido que nos acompanharia e seguiríamos rumo as montanhas. A segunda notícia me foi dada com a sinceridade quase cruel que só minha amiga possuí: “ Infelizmente, o amigo charmoso do meu marido não pode nos acompanhar, mas esse outro amigo é bem gente boa!” Quase morri de rir e respondi com uma pergunta tão sarcástica quando a informação foi sincera: “Como assim você só tem um amigo charmoso?” Foi assim, rindo do humor negro que mascara minhas ansiedades e fragilidades que fomos buscar o amigo não-charmoso.

No caminho da casa do não-charmoso nos perdemos enumeras vezes, graças a inabilidade de minha amiga se concentrar no GPS por mais de dois segundos. Gloriosa oportunidade de observar um casal, apaixonado implicando um com o outro. Nós somos seres estranhos, nos casamos para passar o resto da eternidades apontando os defeitos um dos outro, com um sorriso no rosto. Apaixonados e críticos minha amiga e seu marido conseguiram finalmente chegar ao endereço desejado. Ela não estava mentido: o que o amigo não tinha de charme, ele tinha de legal! Assim o nosso grupo estava formado, minha amiga da língua solta, seu marido apaixonado, seu amigo não-charmoso e a novaiorquina rabujenta!

Napa é considerada a região onde são produzidos os melhores vinhos americanos, na minha opinião alguns dos melhores vinhos do mundo. Se não fosse suficiente esse interessantíssimo inside da indústria, visitaríamos uma das vinícolas mais bonitas da região. Recém chegada de New York, a vista da estrada de São Francisco para era o paraíso. Montanhas verdes até onde a vista alcançava, flores de todas as cores imagináveis, bucolismo em toda sua excelência. Minha amiga que não faz segredo a vontade de me ter como vizinha, usava cada suspiro que meus lábios produziam como embasamento de sua tese de que minha felicidade repousa entre as gloriosas montanhas californianas.

Quem me conhece sabe, que nessa história, minha amiga não é a única tagarela, falo mais do que podre na chuva. E claro que como gerente de restaurante cercada de animadores por todos os lados, estava no meu elemento: vinhos californianos! Deus sabe que quando estou na minha área, sou uma ótima guia. Experimentamos diversos vinhos enquanto explicava aos meus acompanhantes os diferentes processo de fermentação. As vezes até eu mesma estranho o quanto aprendi sobre vinhos e outras bebidas, principalmente considerando que no último ano, me recusei a ler uma página que fosse sobre o assunto.

Minha amiga fica bêbada só de cheirar vinho, por isso no fim da degustação ela já estava dizendo que queria ir para casa pintar o cabelo de loiro, entre essa, vinham outras idéias de bêbado. Seu marido ia logo atrás com uma carinha de sono e indisfarçáveis bochechas vermelhas, ainda bem que ele não tinha nenhum cabelo a ser ameaçado por níveis alcoólicos. Eu e o amigo parecíamos ser os únicos que conseguiam beber sem representar risco as nossas cabeleiras.

Sorvete, jantar... e foi assim que acabei o meu dia, pensando que tinha feito todas as escolhas erradas e que aquilo sim é que era vida!

As nuvens negras me trouxeram outra má notícia além da chuva. Minha amiga que tinha acabado de voltar de uma entrevista de trabalho em Los Angeles, foi surpresa por um teste de animação, horas e horas de desenho que teriam que ser terminados durante minha estadia. O maridão veio ao restagate, pobre coitado do rapaz que havia acabado de me conhecer, foi gentil e me convidou para almoçar no seu trabalho. Vocês devem estar pensando: “Programa de índio, almoçar no trabalho do cara!” Vocês estariam certos se não fosse por um pequeno detalhe: Ele trabalha na Pixar Studios, o paraíso para onde todos os nerds que sofreram durante suas vidas escolares vão para ser felizes quando adultos. Talvez minha amiga estivesse certa, talvez fosse ali onde minha felicidade repousava, entre tantas pessoas felizes passeando pelos corredores de patinetes.

Depois do almoço, segui só para a cidade de São Francisco. O amigo não-charmoso tinha feito um itinerário não turístico de São Francisco para mim. Andei a tarde toda e me perdi no segundo pior dos meus vícios: brechós! Meu primeiro vício são os livros, meus segundo, roupa velha! São Francisco é para mim o que Las Vegas é para uma pessoa que joga compulsivamente! O inferno onde nos queimamos felizes. No meio da tarde, quando já tinha gastado bem o solado da minha Melissinha, recebo uma ligação. O maridão de novo. Lá ia o pobre coitado me levar pra sair a noite com alguns amigos de trabalho.

Eu, bem mulherzinha, achei que ia em casa tomar banho e me emperequetar, mas não, no caminho de casa o bom samaritano me liga e pede para que eu me encontre com ele no trabalho. Com a maquiagem vencida e cheirando a poeira de brechó, vou eu de volta para a Pixar, foi a primeira vez que achei bom o fato de San Fran ser povoada por hippies e gays! Toda empoeirada e descabelada, eu me senti como uma local.

O maridão me encontrou no estacionamento do seu trabalho com o não-charmoso e outro amigo. O outro amigo era muito alto, meio loiro e tinha um jeito de bad boy. Tudo isso não seria suficiente para me impressionar, eu já sabia o que ele fazia para sobreviver, o que na minha opinião é tudo de bom, mas foi quando ele abriu a boca que o mundo “turned into love songs*”,como diria Piaf. O mesmo humor negro que me faz reclamar até que o verde das montanhas era verde demais, mas com um pequenos detalhe: sotaque britânico! Difícil explicar, o quão mais bonito um homem ficar com sotaque britânico nos EUA ( irlandês, escocês, australiano também tá valendo). É como se tudo que ele dissesse parecesse automaticamente 50% mais engraçado e mais inteligente.

O cara era absolutamente desprovido das qualidades físicas que me atraem em um homem, e durante toda a noite, me perguntei se eu achava ele atraente ou não. Bebi e falei bobagem a noite toda, como se eu fosse um dos meninos. Cheguei em casa para achar minha amiga exausta, mas não o suficiente para quer todos os detalhes. Eu não sabia, mas tinha acabado de conhecer o amigo charmoso. Agora tudo se explicava, por mais que não achasse ele uma Brastemp fisicamente, tenho que admitir que passei a noite toda pensando em como parecer, engraçada, inteligente e charmosa ao máximo das minhas habilidades.

Meu cahrme não passou despercebido, mas pela pessoa errada: “O amigo não-charmoso ficou doidinho com ocê.” disse minha amiga com seu sotaque mineiro. Bonito para minha cara!

O outro dia amanheceu molhado, muito molhado! Aquela chuva cretina com cara de que vai cair o dia todo, e caiu. Minha amiga que a essas alturas estava perto de terminar o tal teste não via a hora de sair e se enfiar nos brechós de São Francisci comigo. Tenho um talento que sempre que posso devido com os amigos, mesmo nos brechós mais fedidos e bagunçados, consigo encontras as roupas mais lindas sem muito esforço, roupa velha é comigo mesmo!

Descabelada, empoeirada e dessa vez molhada é como eu estava quando o maridão sugeriu que saíssemos direto dos brechós para encontra a turma do dia anterior para jantar. Catei minha amiga, corri para casa e tomei banho, “O cão que sai nessa inhaca de novo!”- protestei. Tive que terminar minha maquiagem no banco de trás do carro, no escuro e sem espelho. Impressionante o que uma mulher consegue fazer quando quer impressionar um homem: aplicar rímel perfeitamente as cegas! Acho que isso é um talento dígno de fazer parte de um currículo profissional.

O não-charmoso, que havia feito as reservas estava obviamente tentando me impressionar, e conseguiu. O lugar era a coisa mais linda do mundo, mas ainda não o suficiente para fazer com que ele mesmo ficasse mais bonito. Saímos dali para um bar. Devia saber que o lugar ia ser estranho, pois se chamava Bum Bum. Lá estava eu no Bum Bum, linda e batonzuda, querendo piscar meus cílios miraculosamente maquiados para o amigo charmoso, mas o outro amigo não tirava o pé da janta. Minha amiga convocou uma reunião emergencial no local de costume: o banheiro. O amigo charmoso não parava perto de mim por que o outro tinha abertamente declarado temporada de caça a Laura. Código de amizade diz claramente que se um amigo vê a gata antes ele tem prioridade. Além de achar roupa velha em lugares empoeirados e me maquiar as cegas, eu possuo um outro talento muito providencial: penso rápido. Assim quase que automaticamente essa palavra saiu da minha boca: “Escape!” O plano era simples e genial, a gente se despediria, cada um entraria no seus respectivos carros, e em local predeterminado, seriam mortos dois coelhos com uma cajadada só (expressão horrível sendo usada por uma pessoa vegana): eu encontrava o charmoso e minha amiga levava o quase adormecido maridão para descansar.

A chuva e o fato de ser uma terça não nos ajudaram a encontrar um lugar para sair, por isso o charmoso me sugeriu um drink no seu apartamento, mas me alertou que o lugar estava uma bagunça. Sabe quando a pessoa fala que o lugar está uma bagunça, mas quando você chega lá só encontra uma panela usada na pia? Pois é, esse não era o caso. Era óbvio que ele não ficava em casa muito tempo. Era como se um gigante tivesse pego o apartamento dele e sacodido como uma criança sacode um presente de natal que não pode ser aberto antes da meia noite. O chão, a mesa, a pia, o banheiro, o sofá, todos cobertos aleatoriamente com objetos pessoais, roupas, sapatos e incontáveis carteiras de cigarro.

Passei a noite sentada na cama, o único lugar que não estava coberto de tralhas, enquanto ele sentado na frente de uma lareira apagada soprava nuvens de Malboro para fora do apartamento. Ele adorava falar, e cada pergunta que eu fazia era acompanhada por vinte minutos de confissões. Difícil de acreditar que ele tinha apenas 33 anos e tantas histórias para contar, me senti imatura, lá estava eu sentadinha na cama com meus pezinhos que não alcançavam o chão, sentido a expressão do meu próprio rosto amolecer enquanto um sorriso involuntário se formava. A luz do dia revelou uma pilha de cigarros inacreditável, segundo ele um mês de bitubas na varanda do lado de fora da janela. Além da severidade do seu vício, a luz do dia revelou o verde dos olhos daquele “senhor” de 33 anos, quase mais bonito que o das montanhas de Napa.

Sabe aquele ditado que diz que a noite todos os gatos são pardos? A maioria de nós gatos somos mais bonitos a noite, mas de vez em quando um outro felino aparece com essa peculiaridade: beleza matinal! O que estava na minha frente era exactamente isso, uma dessas pessoas que ficam mais bonitas quando o dia amanhece. Me despedi e entrei em casa para satisfazer a curiosidade de minha amiga.

Fiquei pensando como alguém podia ser assim, tão mulherzinha como eu? Conversar com um cara por dois dias e sair boquita*! Foi quando questionei como era possível que o verde dos olhos do charmoso me parecia mais convidativo do que o da paisagem de Napa.Talvez, por que tivesse chovido tanto, não tivesse visto as belezas naturais de São Francisco propriamente... Mas acho que embora eu seja na maior parte do tempo a personificação da rabugice, I am a people person. Gosto de gente, de histórias e de experiências de vida. Adoro os cenários, mas me apego mesmo é aos personagens. No fim das contas o melhor de São Francisco foi rever minha amiga e conhecer três novas pessoas, todas muito bacanas, umas mais charmosas que as outras, mas todas maravilhosas.

Quanto a tese da minha amiga sobre minha felicidade caloforniana, ponderei sobre ela no taxi no caminho do aeroporto para casa. Fiz isso relembrando uma conversa de bar que tive com os meus três novos amigos . Respondendo a questão levantada pelo não-charmoso de qual seria sua vida/carreira ideal se pudéssemos escolher, maridão respondeu primeiro: "Gostaria de ser um marinheiro desbravador e aventureiro", seguido pelo charmoso que respondeu irreverentemente: "Seria podre de rico para não ter que trabalhar. Teria um barco para navegar entre as ilhas do mediterrâneo que seria pilotado pelo meu amigo marinheiro aqui!". Pensei pelo turbilhão de emoções que estou sentindo com essa decisão de voltar ao Brasil. Olhando a chuva que havia me acompanhado de São Francisco que agora caia sobre New York pela janela do meu taxi, respondi a mim mesma: "A vida ideal seria morar em NYC, com todos meus amigos e familiares como vizinhos, trabalhando como figurinista de teatro e namorando alguém igual ao charmoso". Ah... Estou enganado quem: "namorando O charmoso!"


* Tradução: “se torna uma canção de amor”, trecho da música La vien rose (versão inglesa) eternizada pela diva francesa Edith Piaf.

* Boquita é uma expressão criada por uma das mulheres mais engraçada que eu conheci na época de faculdade, se refere a quando a gente está tão feliz que não consegue parar de sorrir.

Sei que já faz mais de um ano que não escrevo. Para os que sempre me perguntam por que não invisto na carreira de escritora? Aí está a sua resposta, as vezes simplesmente não consigo escrever!

2 comentários:

Lele disse...

Tony and I LOVED it!!! We are gonna try to bring the charming friend to NYC!

Kelly Moraes disse...

Hummm...adoreiii ;)
Tenho aqui minhas dúvidas se você vai voltar mesmo pro Brasil rsrs
Qualquer que seja a sua decisão, desejo-te muita SORTE!
Escreva mais...me diverti muito lendo.
Bjs