domingo, outubro 07, 2012

Sonhos de uma noite de verão.

 Tudo começo numa quente tarde de verão caminhando com um amigo brasileiro por Union Square. Nós passamos em frente a uma livraria muito grande aqui nos EUA e vimos um cartaz promocional. O cartaz dizia que em determinado dia, Glen Hansard, um músico Irlandês que eu amo de paixão, estaria na dita livraria assinando CDs. Pensei comigo mesma, se ele está aqui é por que vai fazer show. Fucei na internet, e descobri as datas que coincidiam com a chegada de outro amigo brasileiro que estaria em NYC. Comprei dois ingressos pensando nesse amigo.


O tempo passou e meu amigo chegou. Contei para ele dos ingressos, ele se animou e estava tudo combinado. Nós nos encontraríamos na livraria, pegaria meu autógrafo, a gente jantaria e depois iria para o show. Desencontro clássico de brasileiro sem telefone em NYC... esperei muito, mas ele nada de dar as caras, acabei indo só e atrasada para a livraria.
Quando cheguei lá, não só todas os acentos estavam tomados mas atras das cadeira arranjadas para o evento, uma multidão de gente, pois antes dos autógrafos ele iria tocar algumas músicas. Nem nas pontinhas dos pés eu podia ver nada. Fiquei triste, mas resolvi ficar.

Glen Hansard para quem não conhece é um encanto de pessoa... engraçadíssimo. Tocou duas músicas e se sentiu muito incomodado com a multidão atras das cadeira onde eu estava. Na opinião dele tinha muito espaço mais perto do pequeno palco onde as pessoas poderia ver a performance melhor. A contra gosto da segurança do lugar, a faixa que separava as cadeira e as pessoas de pé onde eu estava foi removida. Onde eu fui parar? Sentada no palco com mais meia dúzia de sortudos. E foi assim que eu ouvi ele cantar, tocar e conversar fiado, as um metro e meio de distância do cara.

Saí de lá em estado de graça, tão feliz que nem liguei de ficar na fila para pegar autógrafo. Hora, mas se eu tinha sentado no palco de um ganhador do Oscar de melhor trilha sonora original... eu lá preciso de autógrafo!!!!

Fui jantar só quando meu amigo finalmente me ligou. Estava na casa do amigo que o hospedava, mas o amigo tinha saído sem chave de casa e se ele saísse o amigo ficaria trancado na rua. Dilema, esperei até a última hora o tal do amigo voltar do lado de fora da casa de show, mas nada... Acabei chamando uma amiga minha na última hora, mas por causa da espera, quando nós entramos, acabamos ficando muito longe do palco. Para piorar a situação, nesse show estavam as pessoas mais altas do mundo!!!! Sem brincadeira!!! Nunca vi tanta gente alta no mesmo lugar. Eu pobre coitada, anã em meio aos gigantes, quase choro de tristeza. Minha amiga, que é brasileira e nunca desiste, rodou o lugar todo até encontrar um lugarzinho que de dava para eu mais ou menos ver show.

Como alegria de pobre dura pouco, percebi que um cara que tinha ido comprar cerveja, estava voltando. Pela cara das pessoas na nossa frente, eles eram amigos e o grandalhão ia se enfiar na minha frente. O homem era uma parede de grande mas, para a minha surpresa, ele parou do meu lado. Respirei aliviada!

Entrei total no clima do show. Estava bem cantarolando uma das minha música favoritas quando o grandalhão se encurvou um pouco e se dirigindo a mim disse: “ Ele é muito bom, né?” Minha amiga nos observou de rabo de olho, mas eu só balancei a cabeça que sim, sorri e continuei vidrada no show. Pouco tempo passou quando um dos caras na nossa frente viu o Grandalhão tão afastado deles. Ele perguntou o que ele fazia ali tão para trás e por que não se unia e eles. O grandalhão respondeu apontando para mim e minha amiga: “Não, eu sou muito alto, vou ficar aqui mesmo.”

Antes que pensasse na repercussão, já tinha respondido: “Você é muito fofo!” “Fucking fofo, né?”- respondeu o enorme samaritano. Abri o maior sorriso, primeiro por que achei engraçada a resposta, segundo por que ele tinha sido fofo de não entrar na minha frente e terceiro, por que reconheci um sotaque estranho.
Quem leu meu último texto sabe do poder do sotaque, por isso perguntei: “De onde você é?” E a resposta foi encantadora: “Dublin”. Ah, o bofe é Irlandês!

O único probleminha com o sotaque dele era que eu só entendia 40% do que ele dizia, o resto eu só balançava a cabeça e sorrira. Mesmo com toda a fofura do mundo, quando me virava pro palco e via o Glen Hansard, era como se o mundo só fosse ele, por isso o grandalhão saiu do meu pensamento. Agora, amiga que é amiga chama a gente na besteira, e foi isso que a minha fez. Reparando que tinha largado o bofe de mão, já por um tempo, aproveitou uma brecha pra me alfinetar. Quando comentei, quase que hipnotizada pelo show:

Oh mulher, mas é lindo o Glen, né?”- ela respondeu na hora.
Lindo é esse menino que falou contigo e tu não tá dando a menor bola, tu acha que eu não vi?!”

Ela estava certíssima, o bofe era um espetáculo. Alto, ombrudo, uma barbinha por fazer do jeito que eu gosto...! Fiz o que tinha que ser feito: abri um sorriso que praticamente engolia minhas orelhas e perguntei para ele as coisas básicas: a quanto tempo estava aqui, quanto tempo ia ficar, o que vinha fazer... De todas as respostas que ele me deu, só entendi que ele havia chegado a um mês. Oh povo para falar rápido e enrolado, acho que Irlandês é o piauiense da Europa nesse sentido. Ele perguntou se queria beber algo. Disse que só uma água. Ele buscou um copo de água. Estava sedenta e em dois goles terminei minha água. De repente, ele tirou o copo da minha mão e colocou outro cheio no lugar. Eu agradeci. Se não fosse suficiente, ele passou o resto do tempo tentando achar melhor ângulo para que eu assistisse o show.

Depois de algum tempo de conversa, e quando digo conversa, quero dizer, ele falando rápido e eu fingindo que entendia, alguns amigos Irlandeses chegaram. Não havia reparado direito quando minha amiga me cutucou e falou em bom piauês:

Mermã, que diabo é isso? A gente tá arrudida de homi , se são tudo enormes. De onde que saiu esse tanto de homi grande.”

Eles não eram só grandes, eram todos lindos. “Mermã, acho que a gente morreu e foi pro céu. Não te disse que todo o nosso trabalho duro na terra ia ser recompensado mais cedo ou mais tarde.”- respondi debochada. O grandalhão disse que tinha que ir para o bar do outro lado da rua fazer alguma coisa que fingi que entendi, mas que voltaria em 20 minutos, que esperava me ver quando voltasse. O problema é que o show acabou antes dele voltar. Enquanto nós íamos saindo andando a passos de tartaruga, descobri que minha amiga estava hipnotiza pela beleza de um do altões. Desculpa perfeita para o meu subconsciente, que deixa eu mover mundos e fundos pelas amigas, mas tem o limite de tolerância bem baixo para correr atrás de homem. Então oficialmente, eu comecei a caçar o bofe da minha amiga, mas estava mesmo era atrás do meu.

Nós entramos no bar onde os meninos estavam. Vi o bofe da minha amiga, mas nada no meu. Os altões de repente todos saíram do bar e foram embora. Tinha acabado de comprar duas cervejas que não estava com a menor vontade de beber, só pra ter uma desculpa para ficar no bar... quando a tristeza começou e me corroer, vi pela vasta janela do restaurante o Grandalhão voltando. Entrou no bar como se tivesse uma missão, obviamente ele havia se perdido do resto do grupo. Acenei do bar, mas como não estava na altura do olhar dele, o infeliz passou direto e saiu do bar novamente. Aí que a tristeza bateu mesmo. Pensei comigo que o universo tinha me dado outra chance e eu não pulei na frente do homem com uma melancia na cabeça para ele me ver.

Minha amiga avistou outro menino bonitinho e resolveu olhar para ele para afogar as mágoas. Ela deu uma olhadinha e o gato chegou junto. Achei aquilo muito estranho considerando o comportamento local. O menino abriu a boca: brasileiro! Agora estava explicado! O menino era a criatura mais boba e desinteressante, sorte dele que tinha uma carinha bem aceitável para gente aguentar a bobagens que ele estava falando.

Minha amiga bem conversando com ele quando dei um pulo na minha cadeira. Um por um eu vi os altões passando pela janela do bar em direção a entrada. Foi tudo em câmera lenta, todos ele depois um tempinho sem ninguém passar pela janela e por último: o Grandalhão em toda sua lindeza. Eles foram entrando, até que o bofe apareceu, eu e minha amiga, as duas acenamos, ele olhou sorriu e passou. Eu esbocei ficar triste, mas antes que tivesse tempo, ele parou, fez uma cara de confuso, e voltou. Foi quando reparei que ele não tinha me visto, só minha amiga.

Ele veio falar comigo, eu mencionei que era a segunda vez que ele passava por mim sem perceber que eu existia, ele pediu desculpas explicou o que eu já sabia: que estava perdido dos seus amigos. Alguns dos altões vieram conversar com a gente de depois de alguns minutos, nós percebemos que o brasileiro tinha ido embora e a gente nem reparou. Coitado, o menino era bonito, mas perto daquele harém invertido, ele não pegava nem gripe.

Conversa vai, conversa vem e eu falei para o Grandalhão que havia virado cidadã americana. Ele olhou para me e sem cerimônias disse:

Você quer casar comigo? Eu preciso de um green card, sou capaz de fazer qualquer mulher feliz.”

Não tenho a menor dúvida da capacidade do bofe, mas tive que dizer que estava resolvida a voltar ao Brasil antes do fim do ano. Ele disse que o jeito era aproveitar ao máximo o tempo restante. Eu sorri. Os amigos aglomeraram e de repente a má notícia: “Nós estamos indo, posso pegar seu telefone?” Antes que respondesse ele mesmo continuou: “Não, né? Desculpa, não devia ter pedido!” Agora, eu penso com os meus botões: Um infeliz desse só pode nunca ter visto um espelho na vida! Que mulher no seu juízo perfeito não daria o telefone para um homem lindo e gente boa? Quando ele ia se virando para ir embora, eu comecei a rir e puxei ele pela camisa:

Anota meu telefone seu bobo.”

Ele anotou e tentou me ligar, fiquei olhando para o meu celular, esperando tocar e nem percebi que ele tinha me dado as costas. Foi quando disse:

Meu telefone não está tocando, você tem certeza que colocou o número certo?”

Ele se virou rápido com uma cara de susto tentando desligar o telefone rapidamente quando deixou escapar:

Acabei de pedir um beijo para uma pessoa estranha...”

Awwwww.... que BUNITIM!!!!!! O jeito foi beijar o rapaz. Depois de um beijo espetacular, olhei para ele que continuava por alguns segundos com os olhos fechados:

Uau, que beijo é esse? Me dâ o telefone certo! Que eu preciso te encontrar!”

A gente sabe que a tecnologia foi feita única e exclusivamente para deixar a gente na mão quando a gente mais precisa. Eu tentava ligar para ele e o telefone dele nada, ele tentava ligar para mim e meu telefone nada. Já era quatro horas da manhã e isso estava dando nos meus nervos. Ele pegou meu celular. Anotou o número dele e o do amigo, caso o dele não funcionasse. Você liga para quem precisar, mas me ache!

Entrei no táxi suspirando e digerindo as orelhas que a muito tempo tinham sido engolidas pelo sorriso incontrolável que havia invadido meu rosto. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para os dois números de telefone que ele havia anotado:

Olá Grandalhão, aqui é a Laura. Beijos ;)”

Continua...

sexta-feira, março 16, 2012

Vão-se os cenários, ficam os personagens...

Sei que já faz mais de um ano que não escrevo. Para os que sempre me perguntam por que não invisto na carreira de escritora? Aí está a sua resposta, as vezes simplesmente não consigo escrever!

Esse são meus últimos meses em New York, acabei, ao contrario do esperado, passando mais um inverno aqui na selva de pedras. A cidade parece mais linda que nunca, o inverno com temperaturas primaveris parece ter sido arquitetura divina, desenvolvida especialmente para fazer minha partida ainda mais difícil.

A decisão foi feita, New York não é uma cidade onde gostaria de envelhecer, mas o medo de não me adaptar com a vida na terrinha tupiniquim anda me desprovendo de várias noites de sono. Adicionando a ansiedade: New York não é a única coisa que deixo para trás. Ficam também sete anos de amizades e planos, por isso decidi visitar meu amigos que vivem nos EUA, os que sempre planejo ver, mas nunca consigo!

Essa semana finalmente me organizei para visitar uma amiga de faculdade. Diferente de mim, bacharel em teatro, minha amiga iniciou sua formação em Cinema de Animação na escola de Belas Artes de Minas Gerais e depois de completar os estudos na Universidade do Texas, se casou com outro animador. Agora, os dois vivem “felizes para sempre” na belíssima cidade de São Francisco, California.

Aqui nos EUA, São Francisco é considerada a cidade de clima perfeito, nunca muito frio ou muito quente. Claro que as minhas preocupações atuais tem feito escuras nuvens sobrevoarem minha cabeça por onde quer que eu vá, e elas me acompanharam a São Francisco. Dos 4 dias passados em São Francisco, tive um dia de sol, um nublado e chuvisquento, e de resto, chuva forte 24 horas por dia.

Minha amiga e seu marido chegaram ao aeroporto para me buscar, assim que entro no carro, a notícia: Vamos a Napa! Teríamos que buscar um amigo do marido que nos acompanharia e seguiríamos rumo as montanhas. A segunda notícia me foi dada com a sinceridade quase cruel que só minha amiga possuí: “ Infelizmente, o amigo charmoso do meu marido não pode nos acompanhar, mas esse outro amigo é bem gente boa!” Quase morri de rir e respondi com uma pergunta tão sarcástica quando a informação foi sincera: “Como assim você só tem um amigo charmoso?” Foi assim, rindo do humor negro que mascara minhas ansiedades e fragilidades que fomos buscar o amigo não-charmoso.

No caminho da casa do não-charmoso nos perdemos enumeras vezes, graças a inabilidade de minha amiga se concentrar no GPS por mais de dois segundos. Gloriosa oportunidade de observar um casal, apaixonado implicando um com o outro. Nós somos seres estranhos, nos casamos para passar o resto da eternidades apontando os defeitos um dos outro, com um sorriso no rosto. Apaixonados e críticos minha amiga e seu marido conseguiram finalmente chegar ao endereço desejado. Ela não estava mentido: o que o amigo não tinha de charme, ele tinha de legal! Assim o nosso grupo estava formado, minha amiga da língua solta, seu marido apaixonado, seu amigo não-charmoso e a novaiorquina rabujenta!

Napa é considerada a região onde são produzidos os melhores vinhos americanos, na minha opinião alguns dos melhores vinhos do mundo. Se não fosse suficiente esse interessantíssimo inside da indústria, visitaríamos uma das vinícolas mais bonitas da região. Recém chegada de New York, a vista da estrada de São Francisco para era o paraíso. Montanhas verdes até onde a vista alcançava, flores de todas as cores imagináveis, bucolismo em toda sua excelência. Minha amiga que não faz segredo a vontade de me ter como vizinha, usava cada suspiro que meus lábios produziam como embasamento de sua tese de que minha felicidade repousa entre as gloriosas montanhas californianas.

Quem me conhece sabe, que nessa história, minha amiga não é a única tagarela, falo mais do que podre na chuva. E claro que como gerente de restaurante cercada de animadores por todos os lados, estava no meu elemento: vinhos californianos! Deus sabe que quando estou na minha área, sou uma ótima guia. Experimentamos diversos vinhos enquanto explicava aos meus acompanhantes os diferentes processo de fermentação. As vezes até eu mesma estranho o quanto aprendi sobre vinhos e outras bebidas, principalmente considerando que no último ano, me recusei a ler uma página que fosse sobre o assunto.

Minha amiga fica bêbada só de cheirar vinho, por isso no fim da degustação ela já estava dizendo que queria ir para casa pintar o cabelo de loiro, entre essa, vinham outras idéias de bêbado. Seu marido ia logo atrás com uma carinha de sono e indisfarçáveis bochechas vermelhas, ainda bem que ele não tinha nenhum cabelo a ser ameaçado por níveis alcoólicos. Eu e o amigo parecíamos ser os únicos que conseguiam beber sem representar risco as nossas cabeleiras.

Sorvete, jantar... e foi assim que acabei o meu dia, pensando que tinha feito todas as escolhas erradas e que aquilo sim é que era vida!

As nuvens negras me trouxeram outra má notícia além da chuva. Minha amiga que tinha acabado de voltar de uma entrevista de trabalho em Los Angeles, foi surpresa por um teste de animação, horas e horas de desenho que teriam que ser terminados durante minha estadia. O maridão veio ao restagate, pobre coitado do rapaz que havia acabado de me conhecer, foi gentil e me convidou para almoçar no seu trabalho. Vocês devem estar pensando: “Programa de índio, almoçar no trabalho do cara!” Vocês estariam certos se não fosse por um pequeno detalhe: Ele trabalha na Pixar Studios, o paraíso para onde todos os nerds que sofreram durante suas vidas escolares vão para ser felizes quando adultos. Talvez minha amiga estivesse certa, talvez fosse ali onde minha felicidade repousava, entre tantas pessoas felizes passeando pelos corredores de patinetes.

Depois do almoço, segui só para a cidade de São Francisco. O amigo não-charmoso tinha feito um itinerário não turístico de São Francisco para mim. Andei a tarde toda e me perdi no segundo pior dos meus vícios: brechós! Meu primeiro vício são os livros, meus segundo, roupa velha! São Francisco é para mim o que Las Vegas é para uma pessoa que joga compulsivamente! O inferno onde nos queimamos felizes. No meio da tarde, quando já tinha gastado bem o solado da minha Melissinha, recebo uma ligação. O maridão de novo. Lá ia o pobre coitado me levar pra sair a noite com alguns amigos de trabalho.

Eu, bem mulherzinha, achei que ia em casa tomar banho e me emperequetar, mas não, no caminho de casa o bom samaritano me liga e pede para que eu me encontre com ele no trabalho. Com a maquiagem vencida e cheirando a poeira de brechó, vou eu de volta para a Pixar, foi a primeira vez que achei bom o fato de San Fran ser povoada por hippies e gays! Toda empoeirada e descabelada, eu me senti como uma local.

O maridão me encontrou no estacionamento do seu trabalho com o não-charmoso e outro amigo. O outro amigo era muito alto, meio loiro e tinha um jeito de bad boy. Tudo isso não seria suficiente para me impressionar, eu já sabia o que ele fazia para sobreviver, o que na minha opinião é tudo de bom, mas foi quando ele abriu a boca que o mundo “turned into love songs*”,como diria Piaf. O mesmo humor negro que me faz reclamar até que o verde das montanhas era verde demais, mas com um pequenos detalhe: sotaque britânico! Difícil explicar, o quão mais bonito um homem ficar com sotaque britânico nos EUA ( irlandês, escocês, australiano também tá valendo). É como se tudo que ele dissesse parecesse automaticamente 50% mais engraçado e mais inteligente.

O cara era absolutamente desprovido das qualidades físicas que me atraem em um homem, e durante toda a noite, me perguntei se eu achava ele atraente ou não. Bebi e falei bobagem a noite toda, como se eu fosse um dos meninos. Cheguei em casa para achar minha amiga exausta, mas não o suficiente para quer todos os detalhes. Eu não sabia, mas tinha acabado de conhecer o amigo charmoso. Agora tudo se explicava, por mais que não achasse ele uma Brastemp fisicamente, tenho que admitir que passei a noite toda pensando em como parecer, engraçada, inteligente e charmosa ao máximo das minhas habilidades.

Meu cahrme não passou despercebido, mas pela pessoa errada: “O amigo não-charmoso ficou doidinho com ocê.” disse minha amiga com seu sotaque mineiro. Bonito para minha cara!

O outro dia amanheceu molhado, muito molhado! Aquela chuva cretina com cara de que vai cair o dia todo, e caiu. Minha amiga que a essas alturas estava perto de terminar o tal teste não via a hora de sair e se enfiar nos brechós de São Francisci comigo. Tenho um talento que sempre que posso devido com os amigos, mesmo nos brechós mais fedidos e bagunçados, consigo encontras as roupas mais lindas sem muito esforço, roupa velha é comigo mesmo!

Descabelada, empoeirada e dessa vez molhada é como eu estava quando o maridão sugeriu que saíssemos direto dos brechós para encontra a turma do dia anterior para jantar. Catei minha amiga, corri para casa e tomei banho, “O cão que sai nessa inhaca de novo!”- protestei. Tive que terminar minha maquiagem no banco de trás do carro, no escuro e sem espelho. Impressionante o que uma mulher consegue fazer quando quer impressionar um homem: aplicar rímel perfeitamente as cegas! Acho que isso é um talento dígno de fazer parte de um currículo profissional.

O não-charmoso, que havia feito as reservas estava obviamente tentando me impressionar, e conseguiu. O lugar era a coisa mais linda do mundo, mas ainda não o suficiente para fazer com que ele mesmo ficasse mais bonito. Saímos dali para um bar. Devia saber que o lugar ia ser estranho, pois se chamava Bum Bum. Lá estava eu no Bum Bum, linda e batonzuda, querendo piscar meus cílios miraculosamente maquiados para o amigo charmoso, mas o outro amigo não tirava o pé da janta. Minha amiga convocou uma reunião emergencial no local de costume: o banheiro. O amigo charmoso não parava perto de mim por que o outro tinha abertamente declarado temporada de caça a Laura. Código de amizade diz claramente que se um amigo vê a gata antes ele tem prioridade. Além de achar roupa velha em lugares empoeirados e me maquiar as cegas, eu possuo um outro talento muito providencial: penso rápido. Assim quase que automaticamente essa palavra saiu da minha boca: “Escape!” O plano era simples e genial, a gente se despediria, cada um entraria no seus respectivos carros, e em local predeterminado, seriam mortos dois coelhos com uma cajadada só (expressão horrível sendo usada por uma pessoa vegana): eu encontrava o charmoso e minha amiga levava o quase adormecido maridão para descansar.

A chuva e o fato de ser uma terça não nos ajudaram a encontrar um lugar para sair, por isso o charmoso me sugeriu um drink no seu apartamento, mas me alertou que o lugar estava uma bagunça. Sabe quando a pessoa fala que o lugar está uma bagunça, mas quando você chega lá só encontra uma panela usada na pia? Pois é, esse não era o caso. Era óbvio que ele não ficava em casa muito tempo. Era como se um gigante tivesse pego o apartamento dele e sacodido como uma criança sacode um presente de natal que não pode ser aberto antes da meia noite. O chão, a mesa, a pia, o banheiro, o sofá, todos cobertos aleatoriamente com objetos pessoais, roupas, sapatos e incontáveis carteiras de cigarro.

Passei a noite sentada na cama, o único lugar que não estava coberto de tralhas, enquanto ele sentado na frente de uma lareira apagada soprava nuvens de Malboro para fora do apartamento. Ele adorava falar, e cada pergunta que eu fazia era acompanhada por vinte minutos de confissões. Difícil de acreditar que ele tinha apenas 33 anos e tantas histórias para contar, me senti imatura, lá estava eu sentadinha na cama com meus pezinhos que não alcançavam o chão, sentido a expressão do meu próprio rosto amolecer enquanto um sorriso involuntário se formava. A luz do dia revelou uma pilha de cigarros inacreditável, segundo ele um mês de bitubas na varanda do lado de fora da janela. Além da severidade do seu vício, a luz do dia revelou o verde dos olhos daquele “senhor” de 33 anos, quase mais bonito que o das montanhas de Napa.

Sabe aquele ditado que diz que a noite todos os gatos são pardos? A maioria de nós gatos somos mais bonitos a noite, mas de vez em quando um outro felino aparece com essa peculiaridade: beleza matinal! O que estava na minha frente era exactamente isso, uma dessas pessoas que ficam mais bonitas quando o dia amanhece. Me despedi e entrei em casa para satisfazer a curiosidade de minha amiga.

Fiquei pensando como alguém podia ser assim, tão mulherzinha como eu? Conversar com um cara por dois dias e sair boquita*! Foi quando questionei como era possível que o verde dos olhos do charmoso me parecia mais convidativo do que o da paisagem de Napa.Talvez, por que tivesse chovido tanto, não tivesse visto as belezas naturais de São Francisco propriamente... Mas acho que embora eu seja na maior parte do tempo a personificação da rabugice, I am a people person. Gosto de gente, de histórias e de experiências de vida. Adoro os cenários, mas me apego mesmo é aos personagens. No fim das contas o melhor de São Francisco foi rever minha amiga e conhecer três novas pessoas, todas muito bacanas, umas mais charmosas que as outras, mas todas maravilhosas.

Quanto a tese da minha amiga sobre minha felicidade caloforniana, ponderei sobre ela no taxi no caminho do aeroporto para casa. Fiz isso relembrando uma conversa de bar que tive com os meus três novos amigos . Respondendo a questão levantada pelo não-charmoso de qual seria sua vida/carreira ideal se pudéssemos escolher, maridão respondeu primeiro: "Gostaria de ser um marinheiro desbravador e aventureiro", seguido pelo charmoso que respondeu irreverentemente: "Seria podre de rico para não ter que trabalhar. Teria um barco para navegar entre as ilhas do mediterrâneo que seria pilotado pelo meu amigo marinheiro aqui!". Pensei pelo turbilhão de emoções que estou sentindo com essa decisão de voltar ao Brasil. Olhando a chuva que havia me acompanhado de São Francisco que agora caia sobre New York pela janela do meu taxi, respondi a mim mesma: "A vida ideal seria morar em NYC, com todos meus amigos e familiares como vizinhos, trabalhando como figurinista de teatro e namorando alguém igual ao charmoso". Ah... Estou enganado quem: "namorando O charmoso!"


* Tradução: “se torna uma canção de amor”, trecho da música La vien rose (versão inglesa) eternizada pela diva francesa Edith Piaf.

* Boquita é uma expressão criada por uma das mulheres mais engraçada que eu conheci na época de faculdade, se refere a quando a gente está tão feliz que não consegue parar de sorrir.

Sei que já faz mais de um ano que não escrevo. Para os que sempre me perguntam por que não invisto na carreira de escritora? Aí está a sua resposta, as vezes simplesmente não consigo escrever!