Tudo começo numa quente
tarde de verão caminhando com um amigo brasileiro por Union Square.
Nós passamos em frente a uma livraria muito grande aqui nos EUA e
vimos um cartaz promocional. O cartaz dizia que em determinado dia,
Glen Hansard, um músico Irlandês que eu amo de paixão, estaria na
dita livraria assinando CDs. Pensei comigo mesma, se ele está aqui é
por que vai fazer show. Fucei na internet, e descobri as datas que
coincidiam com a chegada de outro amigo brasileiro que estaria em
NYC. Comprei dois ingressos pensando nesse amigo.
O tempo passou e meu
amigo chegou. Contei para ele dos ingressos, ele se animou e estava
tudo combinado. Nós nos encontraríamos na livraria, pegaria meu
autógrafo, a gente jantaria e depois iria para o show. Desencontro
clássico de brasileiro sem telefone em NYC... esperei muito, mas ele
nada de dar as caras, acabei indo só e atrasada para a livraria.
Quando cheguei lá, não
só todas os acentos estavam tomados mas atras das cadeira arranjadas
para o evento, uma multidão de gente, pois antes dos autógrafos ele
iria tocar algumas músicas. Nem nas pontinhas dos pés eu podia ver
nada. Fiquei triste, mas resolvi ficar.
Glen Hansard para quem
não conhece é um encanto de pessoa... engraçadíssimo. Tocou duas
músicas e se sentiu muito incomodado com a multidão atras das
cadeira onde eu estava. Na opinião dele tinha muito espaço mais
perto do pequeno palco onde as pessoas poderia ver a performance
melhor. A contra gosto da segurança do lugar, a faixa que separava
as cadeira e as pessoas de pé onde eu estava foi removida. Onde eu
fui parar? Sentada no palco com mais meia dúzia de sortudos. E foi
assim que eu ouvi ele cantar, tocar e conversar fiado, as um metro e
meio de distância do cara.
Saí de lá em estado de
graça, tão feliz que nem liguei de ficar na fila para pegar
autógrafo. Hora, mas se eu tinha sentado no palco de um ganhador do
Oscar de melhor trilha sonora original... eu lá preciso de
autógrafo!!!!
Fui jantar só quando meu
amigo finalmente me ligou. Estava na casa do amigo que o hospedava,
mas o amigo tinha saído sem chave de casa e se ele saísse o amigo
ficaria trancado na rua. Dilema, esperei até a última hora o tal do
amigo voltar do lado de fora da casa de show, mas nada... Acabei
chamando uma amiga minha na última hora, mas por causa da espera,
quando nós entramos, acabamos ficando muito longe do palco. Para
piorar a situação, nesse show estavam as pessoas mais altas do
mundo!!!! Sem brincadeira!!! Nunca vi tanta gente alta no mesmo
lugar. Eu pobre coitada, anã em meio aos gigantes, quase choro de
tristeza. Minha amiga, que é brasileira e nunca desiste, rodou o
lugar todo até encontrar um lugarzinho que de dava para eu mais ou
menos ver show.
Como alegria de pobre
dura pouco, percebi que um cara que tinha ido comprar cerveja, estava
voltando. Pela cara das pessoas na nossa frente, eles eram amigos e o
grandalhão ia se enfiar na minha frente. O homem era uma parede de
grande mas, para a minha surpresa, ele parou do meu lado. Respirei
aliviada!
Entrei total no clima do
show. Estava bem cantarolando uma das minha música favoritas quando
o grandalhão se encurvou um pouco e se dirigindo a mim disse: “
Ele é muito bom, né?” Minha amiga nos observou de rabo de olho,
mas eu só balancei a cabeça que sim, sorri e continuei vidrada no
show. Pouco tempo passou quando um dos caras na nossa frente viu o
Grandalhão tão afastado deles. Ele perguntou o que ele fazia ali
tão para trás e por que não se unia e eles. O grandalhão
respondeu apontando para mim e minha amiga: “Não, eu sou muito
alto, vou ficar aqui mesmo.”
Antes que pensasse na
repercussão, já tinha respondido: “Você é muito fofo!”
“Fucking fofo, né?”-
respondeu o enorme samaritano. Abri o maior sorriso, primeiro por que
achei engraçada a resposta, segundo por que ele tinha sido fofo de
não entrar na minha frente e terceiro, por que reconheci um sotaque
estranho.
Quem
leu meu último texto sabe do poder do sotaque, por isso perguntei:
“De onde você é?” E a resposta foi encantadora: “Dublin”.
Ah, o bofe é Irlandês!
O
único probleminha com o sotaque dele era que eu só entendia 40% do
que ele dizia, o resto eu só balançava a cabeça e sorrira. Mesmo
com toda a fofura do mundo, quando me virava pro palco e via o Glen
Hansard, era como se o mundo só fosse ele, por isso o grandalhão
saiu do meu pensamento. Agora, amiga que é amiga chama a gente na
besteira, e foi isso que a minha fez. Reparando que tinha largado o
bofe de mão, já por um tempo, aproveitou uma brecha pra me
alfinetar. Quando comentei, quase que hipnotizada pelo show:
“ Oh
mulher, mas é lindo o Glen, né?”- ela respondeu na hora.
“Lindo
é esse menino que falou contigo e tu não tá dando a menor bola, tu
acha que eu não vi?!”
Ela
estava certíssima, o bofe era um espetáculo. Alto, ombrudo, uma
barbinha por fazer do jeito que eu gosto...! Fiz o que tinha que ser
feito: abri um sorriso que praticamente engolia minhas orelhas e
perguntei para ele as coisas básicas: a quanto tempo estava aqui,
quanto tempo ia ficar, o que vinha fazer... De todas as respostas que
ele me deu, só entendi que ele havia chegado a um mês. Oh povo para
falar rápido e enrolado, acho que Irlandês é o piauiense da Europa
nesse sentido. Ele perguntou se queria beber algo. Disse que só uma
água. Ele buscou um copo de água. Estava sedenta e em dois goles
terminei minha água. De repente, ele tirou o copo da minha mão e
colocou outro cheio no lugar. Eu agradeci. Se não fosse suficiente,
ele passou o resto do tempo tentando achar melhor ângulo para que
eu assistisse o show.
Depois
de algum tempo de conversa, e quando digo conversa, quero dizer, ele
falando rápido e eu fingindo que entendia, alguns amigos Irlandeses
chegaram. Não havia reparado direito quando minha amiga me cutucou e
falou em bom piauês:
“Mermã,
que diabo é isso? A gente tá arrudida de homi
, se são tudo
enormes. De onde que saiu esse tanto de homi grande.”
Eles
não eram só grandes, eram todos lindos. “Mermã,
acho que a gente morreu e foi pro céu. Não te disse que todo o
nosso trabalho duro na terra ia ser recompensado mais cedo ou mais
tarde.”- respondi debochada. O grandalhão disse que tinha que ir
para o bar do outro lado da rua fazer alguma coisa que fingi que
entendi, mas que voltaria em 20 minutos, que esperava me ver quando
voltasse. O problema é que o show acabou antes dele voltar. Enquanto
nós íamos saindo andando a passos de tartaruga, descobri que minha
amiga estava hipnotiza pela beleza de um do altões. Desculpa
perfeita para o meu subconsciente, que deixa eu mover mundos e fundos
pelas amigas, mas tem o limite de tolerância bem baixo para correr
atrás de homem. Então oficialmente, eu comecei a caçar o bofe da
minha amiga, mas estava mesmo era atrás do meu.
Nós
entramos no bar onde os meninos estavam. Vi o bofe da minha amiga,
mas nada no meu. Os altões de repente todos saíram do bar e foram
embora. Tinha acabado de comprar duas cervejas que não estava com a
menor vontade de beber, só pra ter uma desculpa para ficar no bar...
quando a tristeza começou e me corroer, vi pela vasta janela do
restaurante o Grandalhão voltando. Entrou no bar como se tivesse uma
missão, obviamente ele havia se perdido do resto do grupo. Acenei do
bar, mas como não estava na altura do olhar dele, o infeliz passou
direto e saiu do bar novamente. Aí que a tristeza bateu mesmo.
Pensei comigo que o universo tinha me dado outra chance e eu não
pulei na frente do homem com uma melancia na cabeça para ele me ver.
Minha
amiga avistou outro menino bonitinho e resolveu olhar para ele para
afogar as mágoas. Ela deu uma olhadinha e o gato chegou junto. Achei
aquilo muito estranho considerando o comportamento local. O menino
abriu a boca: brasileiro! Agora estava explicado! O menino era a
criatura mais boba e desinteressante, sorte dele que tinha uma
carinha bem aceitável para gente aguentar a bobagens que ele estava
falando.
Minha
amiga bem conversando com ele quando dei um pulo na minha cadeira. Um
por um eu vi os altões passando pela janela do bar em direção a
entrada. Foi tudo em câmera lenta, todos ele depois um tempinho sem
ninguém passar pela janela e por último: o Grandalhão em toda sua
lindeza. Eles foram entrando, até que o bofe apareceu, eu e minha
amiga, as duas acenamos, ele olhou sorriu e passou. Eu esbocei ficar
triste, mas antes que tivesse tempo, ele parou, fez uma cara de
confuso, e voltou. Foi quando reparei que ele não tinha me visto, só
minha amiga.
Ele
veio falar comigo, eu mencionei que era a segunda vez que ele passava
por mim sem perceber que eu existia, ele pediu desculpas explicou o
que eu já sabia: que estava perdido dos seus amigos. Alguns dos
altões vieram conversar com a gente de depois de alguns minutos, nós
percebemos que o brasileiro tinha ido embora e a gente nem reparou.
Coitado, o menino era bonito, mas perto daquele harém invertido, ele
não pegava nem gripe.
Conversa
vai, conversa vem e eu falei para o Grandalhão que havia virado
cidadã americana. Ele olhou para me e sem cerimônias disse:
“Você
quer casar comigo? Eu preciso de um green card,
sou capaz de fazer qualquer mulher feliz.”
Não
tenho a menor dúvida da capacidade do bofe, mas tive que dizer que
estava resolvida a voltar ao Brasil antes do fim do ano. Ele disse
que o jeito era aproveitar ao máximo o tempo restante. Eu sorri. Os
amigos aglomeraram e de repente a má notícia: “Nós estamos indo,
posso pegar seu telefone?” Antes que respondesse ele mesmo
continuou: “Não, né? Desculpa, não devia ter pedido!” Agora,
eu penso com os meus botões: Um infeliz desse só pode nunca ter
visto um espelho na vida! Que mulher no seu juízo perfeito não
daria o telefone para um homem lindo e gente boa? Quando ele ia se
virando para ir embora, eu comecei a rir e puxei ele pela camisa:
“Anota
meu telefone seu bobo.”
Ele
anotou e tentou me ligar, fiquei olhando para o meu celular,
esperando tocar e nem percebi que ele tinha me dado as costas. Foi
quando disse:
“Meu
telefone não está tocando, você tem certeza que colocou o número
certo?”
Ele
se virou rápido com uma cara de susto tentando desligar o telefone
rapidamente quando deixou escapar:
“Acabei
de pedir um beijo para uma pessoa estranha...”
Awwwww....
que BUNITIM!!!!!! O jeito foi beijar o rapaz. Depois de um beijo
espetacular, olhei para ele que continuava por alguns segundos com
os olhos fechados:
“Uau,
que beijo é esse? Me dâ o telefone certo! Que eu preciso te
encontrar!”
A
gente sabe que a tecnologia foi feita única e exclusivamente para
deixar a gente na mão quando a gente mais precisa. Eu tentava ligar
para ele e o telefone dele nada, ele tentava ligar para mim e meu
telefone nada. Já era quatro horas da manhã e isso estava dando nos
meus nervos. Ele pegou meu celular. Anotou o número dele e o do
amigo, caso o dele não funcionasse. Você liga para quem precisar,
mas me ache!
Entrei
no táxi suspirando e digerindo as orelhas que a muito tempo tinham
sido engolidas pelo sorriso incontrolável que havia invadido meu
rosto. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para os dois números
de telefone que ele havia anotado:
“Olá
Grandalhão, aqui é a Laura. Beijos ;)”
Continua...