Então durante todo esse tempo que eu venho gastando meu guarda-roupa pra trabalhar, eu tinha me recusado a investigar a coisa mais importante sobre o Motivo. A razão não era outra se não o medo da resposta. A pergunta seria sobre a disponibilidade do rapaz!
Eu trabalho com uma estagiaria muito estranha. Uma garota muito nerd, no sentido ruim da palavra. A garota é do Canadá, ta aqui fazendo mestrado em cinema e é estagiaria no meu filme. Ela se acha hiper-qualificada pro trabalho dela e não perde oportunidade de ser grossa com qualquer pessoa nova que comece a trabalhar e não seja do alto escalão. Eu já tava de saco cheio da grosseria dela quando eu resolvi contar pro meu chefe que ela geralmente ignorava qualquer coisa que eu pedisse pra ela fazer. Eu pensei muito, por que se de um lado eu estava com medo da falta de comunicação afetar meu trabalho, de outro, eu não queria parecer implicante. Adiei a conversa com meu chefe e apelei pra última chance que eu tinha. O plano era simples: eu tinha que fazer aquela lambisgóia que me odiava por motivo nem um, passar a me amar. Dei um jeito de me mandarem pra rua pra comprar coisas, como ela é a motorista, isso me daria umas boas horas presa no trânsito de NY pra dar um sondada na garota, que tem 25 mas se comporta como uma de 13.
Algumas coisas são difíceis de resistir, e se tem uma coisa de que mulher gosta, isso é falar. Eu pensei, era só eu dar um jeito de abrir a torneira, quando ela começasse a falar, era só eu fazer a segunda coisa que mulher mais gosta depois de falar: ser ouvida.
Fiz um comentário displicente sobre um homem feio na rua e disse que eu estava com preguiça de ser solteira. Foi a desculpa pra ela me fazer meio par de perguntas. Respondi a todas e perguntei: “ E você tem namorado?”
Bastaram os 3 primeiros minutos pra eu perceber que meu plano ia muito bem, eu já tinha aberto o canal de comunicação, agora ela fazer ela me amar! Isso era mais fácil que beijar no carnaval! Só falar mal dos ex-namorados que tinham largado ela, confirmar quando ela dizia que os homens não agüentam mulheres independentes, e pular pro terceiro passo. Esse era um pouco mais complexo já tinha exigido um pouco de tempo analisando a coisa. Eu percebi um dia, quando eu estava no escritório, ela ficando toda - toda pro lado de um outro estagiário quando ele entrou na sala. Ai, era batata! Perguntei sobre o garoto, ela disse que ficou impressionada que eu reparei. Falei que achava que eles fazia um casal fofo, o que é uma grande mentira, por que o garoto é bonitinho e ela, um desengonso só. Depois dessa, missão cumprida! Ela me amava. Foi tão impressionante que parecia que eu tinha lido aquele livro: “ Como fazer amigos e influenciar pessoas”.
Com a garota agora me dando beijos e braços e sempre oferecendo ajuda toda hora que estava sem fazer nada, eu podia trabalhar em paz, a única parte ruim era ter que conversar sempre com ela. A garota fala o tempo inteiro e sempre tem alguma coisa presa no meio dos dentes, um nojo de olhar, mas enfim...
Foi durante outras boas horas de tráfego presa com ela no carro que eu resolvi descobrir a verdade sobre o Motivo. Ela havia começado a trabalhar no escritório bem no começo do filme, quando tinha bem menos gente no escritório e o Motivo era bem menos ocupado. Achei que ela poderia saber algo. Conduzi a conversa de uma forma tão displicente que eu fiquei impressionada comigo mesma, na minha cabeça só passava a frase: Como fazer amigos e influenciar pessoas.... Fiz com que ela cuspisse a verdade se nem perceber, mas a verdade era devastadora: o Motivo tem namorada.
Fiquei um tempo calada depois dessa descoberta. Fiquei pensando o que eu iria fazer. Manter a lembrança do ex-namorido longe da minha cabeça sem o Motivo ia ser dose, principalmente por que o ex-namorido andava igual mosca de padaria.
Resolvi que não ia fazer nada, o cão que vai se meter no meio do namoro alheio, mas resolvi manter a postura e o figurino, afinal, eu não sabia nada desse namoro, se era sério, se ia durar. Quem pode garantir que a mulher não é uma mocreia chata? Melhor ainda, quem pode garantir, que mesmo sem eu fazer nada ele não possa se apaixonar por mim, e largar a mocreia chata e viver feliz pra sempre comigo?
Passaram-se dias e eu mal falei com o Motivo, pra piorar situação esse outro carinha no escritório começou a dar em cima de mim. Só o que me faltava, eu pensei, se ele for amigo do Motivo, eu estaria ferrada. O Indesejável apareceu no escritório com o panfleto da festa do filme. Era a festa de encerramento da pré-produção, antes de se iniciarem as filmagens. Era a chance de conversar com o Motivo se o Indesejável não pegasse no meu pé.
Tudo muito bom, tudo muito bem mas... minhas amigas que estariam me visitando por duas semanas em NY chegariam na sexta, e a festa era no sábado. Eu não sabia se seria falta de educação levar dois convidados pra festa do filme... dúvida cruel!
Resolvi passar pela festa com as meninas, se eu achasse que não rolava de ficar lá, eu dizia que ia ter que ir embora por causa delas.
Não tive que me esforçar muito, por que quando 3 mulheres se juntam pra se arrumar, já viu, chegamos em Manhattan as 7 da noite hora que a festa acabava. Resolvi mandar uma mensagem pra minha mais nova melhor amiga, a Estagiária. Disse que só tinha desocupado aquela hora, se ela achava muito tarde aparecer por lá. Ela respondeu que a festa estava ótima e que eu devia aparecer, que ia adorar me ver, como uma “melhor amiga”. Enfiamos num táxi e chagamos lá. Era um restaurante que tinha um jardim aberto, de 3 as 7 da noite o povo do filme bebia de graça, mas quando eu cheguei o Open Bar tinha acabado, mas ainda tinha muita gente por lá. Vi o meu chefe, figurinista do filme e a assistente dele, que sempre se veste como se estivesse indo pra o Oscar, o que fez o meu vestido azul lindíssimo, não parecer muito fora de mal a aquela hora do dia ( no verão aqui só anoitece quase 9pm ).
Fiz um H, apresentei as meninas pro povo e depois do meu chefe ir embora o Motivo me avistou. Ele estava só sem namorada tira colo. Me deu um abraço enquanto reclamava que eu tinha chegado muito tarde. Ficou conversando comigo enquanto tentava lembrar o português que tinha aprendido quando mais novo, viajando para Portugal. Quando a notícia de que 3 brasileira haviam adentrado a festa se espalhou, os homem se aglomeraram. Em poucos minutos estava eu respondendo milhões de perguntas sobre o Brasil, sobre minhas amigas, sobre o que a gente ia fazer em NY... O indesejável quase me mata de vergonha. Quando eu disse que depois de minhas amigas voltassem pro Brasil, seria a vez de minha mãe me visitar. Ele disse que eu teria que levar minha mãe no escritório, para que ele conhecesse a futura sogra. Eu disfarcei com uma risadinha, mas eu queria matar ele por essa.
Eu e as meninas nos sentamos em uma mesa meio de lado. O Motivo se levantou de sua mesa e foi se juntar a dois amigos que fumavam num canto. Quando olhei no relógio , descobri que estava atrasada pra o jantar que nós tínhamos que ir. Uma de minhas amigas reclamou e perguntou se nós tínhamos que ir. Era a situação perfeita, mas a resposta era cruel, nós realmente tínhamos que ir.
Me despidi de algumas pessoas, inclusive minha nova melhor amiga que, só pra variar, tinha uma coisa verde no meio dos dentes enquanto ela falava alto com as minhas amigas na tentativa de que o tom de voz fosse fazer com que elas entendessem o que ela dizia em inglês.
Arrumei os cabelos e me dirigi ao ponto estratégico, fui me despedir do Motivo. Ele reclamou que eu tinha ficado muito pouco,meu coração concordou mas, mantendo a pose, reafirmei que tinha que partir. Não sei como, mas na hora de se despedir começamos a conversar, a conversa foi de onde a gente morava pra os filmes preferido e não parou... o ponto mor da conversa foi quando eu admitiu meio envergonhado que adorava cinema de animação. Eu sorri e disse que o melhor filme de todos os tempos era Procurando Nemo. Ele quase morreu de felicidade enquanto eu repetia as falas da Dori, o peixe com falta de memória recente.
Como explicar bem o que aconteceu nessa despedida que acabou virando uma conversa de 10 minutos? Foi uma daquelas conversas que quando alguém fala uma coisa, o outro responde: “Exatamente...”e começa a complementar o que você falou. Foi aquele sentimento de primeiro encontro bom! Quando você acha que vocês nunca ficariam sem assunto, que mesmo se vocês fizessem 80 anos de idade juntos, vocês ainda teriam muito o que dizer um pra o outro. Era óbvio que o sentimento era mútuo, ele lamentava que eu tinha que ir, eu lamentava também. Me despedi com um abraço que me deixou momentaneamente sem ar.
As filmagens começariam na segunda-feira, eu estaria trancada no escritório, ele estaria no set de filmagem, talvez nós nunca mais nos veríamos, mas de certa forma, aquilo não era mais tão importante por que, em 10 minutos, eu descobri que eu estava certa. Eu não sabia se o Motivo tinha uma namorada ou não, eu só sabia que ele fazia com que eu perdesse o ar, e agora eu tinha certeza que eu fazia o mesmo com ele, eu vi isso dentro do sorriso que ele me deu quando eu finalmente fui embora!